quinta-feira, 15 de setembro de 2011

José Gumercindo dos Santos, um folclorista cristão de Itabaiana

"Tudo passa na vida, só não deve passar a nossa vontade de servir, amar e perdoar".

Eis uma das mais belas frases que já ouvi na vida. O autor é um itabaianense nascido no começo do século passado no povoado Zanguê, um ceboleiro que elevou o nome da nossa cidade por onde andou.

José Gumercindo dos Santos, ou simplesmente padre Gumercindo, é um personagem de Itabaiana ainda muito pouco conhecido. Nasceu a 15 de agosto de 1907, filho legítimo de José Januário dos Santos e Dona Maria Rita de Jesus. Teve duas irmãs: Maria Dulcina, que faleceu aos 15 anos, e, Maria Epunina, falecida em tenra idade. O pequeno José aprendeu desde cedo com sua piedosa mãe a caminhar para igreja, tornando-se coroinha logo que a idade permitiu. Revelava desde moço profunda inclinação para o sacerdócio. Com quatro anos, armava pequenos altares, onde celebrava à sua maneira. Fez sua primeira comunhão com sete anos completos, a 15 de agosto de 1914. Abandonado pelo pai que trocou o lar pelo Eldorado da Amazônia, viveu uma infância de pobreza e privação. Sendo então o único homem da casa assegurou com seu trabalho de criança o sustento próprio, de sua mãe e da irmãzinha. Por esse senso de responsabilidade tão precoce, deram-lhe o apelido "nozinho" (diminutivo de senhor), mais tarde Pe. Nozinho, pelo qual era conhecido aqui em Itabaiana.

Em 1916, era coroinha na Igreja Matriz de Santo Antonio e Almas de Itabaiana quando aconteceu a briga do coronel Sebrão com o padre Vicente Francisco de Jesus. O embate resultou na morte de Luis Pereira de Andrade. Contava 11 anos, quando chega a Itabaiana o bondoso salesiano Pe. Pedro Ghislande (1918), que informado do seu desejo de ser padre, convida-o para fazer parte da família salesiana de São João Bosco. Recebeu-o, seis meses depois, na Escola Agrícola Salesiana da Tebaida, nas proximidades de Aracaju. De lá, é mais tarde transferido para Jaboatão (Pernambuco), com os outros colegas, e depois, para o Colégio São Manoel, de Lavrinhas (São Paulo), onde concluiu os estudos secundários. Em Lavrinhas, fez seu noviciado em 1925 e em 28 de janeiro de 1926, sua primeira profissão religiosa em mãos do inspetor salesiano, Pe. Pedro Rota.

Em fins de 1926 retornou a Jaboatão, inaugurando com outros colegas a recém-fundada Inspetoria de São Luís de Gonzaga, e iniciando aí o curso de Filosofia, em 1927. Em 1929, impulsionado pelo ardor missionário, foi enviado a seu pedido para as Missões Salesianas do Alto Rio Negro, em São Gabriel (no Amazonas, hoje Uaupés), fazendo ali seu tirocínio em meio a privações e sacrifícios. Em 1930, sofrendo de estafa, regressa a Recife e em 1931 vai cursar a Teologia em São Paulo, no Instituto Pio XI, inaugurando com os de sua turma, esse curso ali. Em 08 de setembro de 1934 é ordenado sacerdote no Santuário Salesiano Coração, em Recife, pelas mãos de Dom Manoel de Paiva, bispo de Garanhuns e continua como padre sua vida de total doação à Igreja e à Congregação Salesiana. Serviu à Congregação Salesiana por 29 anos com sua inteligência, seu trabalho, seu dinamismo, seu caráter peregrino e sua fé extraordinária.

Durante doze anos de sacerdócio, torna-se presença atuante e dedicada em diversos colégios salesianos do Norte e Nordeste, exercendo com eficiência de um educador nato, o magistério e outras funções, tais como Conselheiro Escolar em Jaboatão, Vice-Reitor do Seminário de Belém e de 1938 a 1940, secretário particular do arcebispo de Belém, Dom Antonio Almeida Lustosa. De 1941 a 1944, retorna a Recife para secretariar a Inspetoria Salesiana do Nordeste. Funda a Revista "Segue-me" em prol das Vocações Salesianas e nas férias, peregrina de cidade em cidade, descobrindo vocações e angariando assinaturas do "Segue-me" para sustentá-las.

Em 1945, é inesperadamente transferido para o Colégio Domingos Sávio de Baturité, Ceará. Lá, como professor e confessor da casa, Pe. Gumercindo encontra entre as alunas do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, sob sua direção espiritual, aquelas escolhidas por Deus para com ele dar início à fundação da Sociedade Santa Teresinha. É então enviado para o desterro de Ananindeua, no Pará, mas antes pede permissão para rever sua mãe em Sergipe. Ali, encontra apoio para a fundação, no bispo de Aracaju que o conhecia desde criança, Dom José Tomás da Silva e em março de 1947, traz de Baturité, após vencidos mil obstáculos, as oito fundadoras, consolidando em Boquim, a 12 de março, o início da fundação da Sociedade Santa Teresinha. Não lhe permitindo os salesianos que ele fundasse a congregação, como um deles, pede, não sem tristeza a dispensa dos votos. Funda em Boquim o Ginásio Santa Teresinha, um dos marcos pioneiros da educação no interior do Estado. Em 1950, vai a Roma e mediante instruções de lá recebidas, realiza a fundação masculina, a Sociedade Joseleitos de Cristo, que paralisada por alguns anos por imposição da autoridade diocesana, é reestruturada em 1958, já em Tucano, na Bahia. Morrendo o velho bispo, pressionado pelo substituto, deixa Sergipe e se transfere para Tucano, diocese então de Senhor do Bonfim, onde Dom José Alves Trindade lhe entrega a Paróquia de Senhora Sant'Ana, que assume, evangelizando-a por 35 anos com verdadeiro espírito apostólico.

Em Tucano, constrói o Seminário São José, vocacionário dos futuros padres joseleitos, que sempre acolheu gratuitamente. Impelido pelo seu carisma de educador, funda também em Tucano o Centro Educacional Senhora das Graças - CESG - estabelecimento de ensino de 1º e 2° Graus e ai não para o seu desejo de fazer o bem. Funda mais tarde o Lar dona Ritinha para acolher os velhinhos indigentes, não só de Tucano, mas de onde chegar. O seu fervor não conhece barreiras e na força dele funda em 8 de setembro de 1960, com algumas religiosas da Sociedade Santa Teresinha, a Congregação Divino Mestre.

Em junho de 1980, assoberbado de trabalhos e preocupações, sofre uma grande estafa. O médico que o atendeu, prescreveu-lhe seis meses de repouso, ficando este tempo no "Instituto Pe. Gumercindo", sob os cuidados de suas filhas da Congregação Divino Mestre. Mesmo assim, nesse mesmo ano ainda, vai a Europa resolver em Roma assuntos das Congregações.
Nas décadas de 1950 a 1980, peregrina em busca de recursos para suas obras ou buscando da Igreja apoio canônico para suas congregações. Assim é que faz cinco viagens aos Estados Unidos, três ao Canadá e três à Europa. Em Roma, se ver os Papas de então: Pio XII, Paulo VI e obtém audiência com o Pontífice João Paulo II, a quem muito admirava.

Pe. Gumercindo, além de um verdadeiro agente evangelizador e educador, era dotado de dons artísticos e literários, empregando-os com motivação no seu labor educativo e missionário. Escreveu com maestria peças para o teatro infantil e juvenil, artigos para conferências, poesias e hinos de rara beleza. Criou a Banda Marcial de Tucano, sendo além de músico, compositor. Tocava flauta, piano e órgão muito bem.

Seu primeiro ensaio literário foi em 1935, fundando o Jornalzinho "O Aspirante". Em 1940 funda como salesiano, a "Revista Segue-me". Escreveu o livro "Exercícios Latinos" para facilitar a aprendizagem dessa língua. Visitando Roma, inspira-se e escreve "O Romance Cristão - Asael". Fundou e foi redator do "Boletim Joseleito", escrevendo ainda os seguintes livros, já publicados: "Jubileu de Prata do CESG", "Pedaços d'Alma" (biografia), "Para Boi Dormir" e, finalmente, "Quarenta Anos no Deserto", o seu "Canto de Cisne", publicado post mortem. Era poliglota, falando fluentemente latim, francês e italiano. Criou e organizou como língua interna para as congregações a LIZU, língua de fácil manejo.

Em 10 de setembro de 1991, falecia o nosso biografado para tristeza de baianos e sergipanos. Por sua atuação cheia de amor e desambição, muitos municípios da Bahia e Sergipe, que conheceram de perto o valor de sua obra, consideram um privilégio tê-lo entre seus filhos ilustres. Boquim, Tucano, Quijingue e Monte Santo, por justo mérito, o elegeram Cidadão Honorário. Em Tucano, o padre José Gumercindo dos Santos é filho dos mais ilustres.

A passagem do centenário de nascimento do padre José Gumercindo Santos (1907-1991) foi lembrada na Assembleia Legislativa da Bahia em moção de congratulações apresentada pelo deputado Gildásio Penedo Filho (DEM). Enquanto isso, na sua terra natal, o padre Gumercindo foi homenageado emprestando seu nome a uma pequena praça de nosso município construída pela Prefeitura Municipal de Itabaiana em 2007 que mal aparece seu nome e que 99,99% dos itabaianenses não sabem nem onde está situada. Ganha um picolé de graviola quem me dizer onde fica a referida praça.

A Secretaria Municipal de Cultura, através da Gerência de Patrimônio Cultural, coligiu dados biográficos e recentemente fez um levantamento de sua produção bibliográfica. Boa parte das obras do Padre Gumercindo estão na Biblioteca Particular do historiador Wanderlei Menezes. Há cópias da produção do Pe. Gumercindo na Biblioteca Pública Municipal "Dr. Florival de Oliveira". O padre José Gumercindo dos Santos é mais daqueles filhos da "velha loba" que ganharam notoriedade fora do torrão natal e que vivem ainda no desconhecimento dos seus conterrâneos.

Referências bibliográficas

MATOS, Carlos Vagner da Silva. Um caráter "granítico" esculpido no papel: vida, obra e histórias de Pe. José Gumercindo Santos. Feira de Santana, 2006. Universidade Federal de Feira de Santana. Departamento de Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Literatura e Diversidade Cultural. Dissertação (Letras). 219 p.

SANTOS, Pe. José Gumercindo dos. Pra boi dormir. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1980;
________. Pedaços d'Alma. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1981;
________. Asael: romance cristão. 2 ed. Feira de Santana: Bahia Artes Gráficas, 1982;