segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Chegança, folguedos e historiografia folclórica sergipana


Neste texto, apresentaremos uma visão geral dos folguedos no Estado de Sergipe, especificamente a Chegança, sobretudo enfocando a Chegança Santa Cruz de Itabaiana-SE, numa perspectiva histórica de preservação e manutenção desta como símbolo da identidade local. Sabemos da carência de estudos que nos remeta a conhecer nossas tradições que vêm sendo transmitidas através de sucessivas gerações, sempre se renovando e se recriando, num processo vivo e dinâmico, propiciando à nação a possibilidade de construir sua própria identidade
Sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas não tem consciência do seu estilo de vida. E ter consciência é poder ser socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de inclusões necessárias e exclusões fundamentais, num exaustivo e muitas vezes dramático diálogo entre o que nós somos (ou queremos ser) e aquilo que os outros são e, logicamente, nós não devemos ser.1
No ano de 1878, os ingleses, fundaram em Londres a Sociedade de Folclore, consideravam como objeto dos seus estudos as narrativas tradicionais (mitos, lendas, cantos populares), os costumes tradicionais (celebrações cerimoniais populares), sistemas populares de crenças e supertições (ligadas à vida e ao trabalho), sistemas e formas populares de linguagem (ditos e frases feitas). No Brasil, a maneira de se compreender o folclore é um tanto polêmico, por um lado, estende o folclore à cultura primitiva, aos mitos, lendas e cantos; por outro lado, como uma disciplina diferenciada de uma ciência, a Antropologia e não como ciência autônoma.2
Em Sergipe, o interesse maior em conhecer a nossa história, a geografia, a literatura e a cultura popular começou no início do século XX. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe estimulava estes estudos e em 1942, propôs a realização do I Congresso de História e Geografia de Sergipe. Este movimento continuou nos anos 1950 e até aumentou com a criação do Movimento Cultural de Sergipe (que teve como criador José Augusto Garcez) que publicou livros de autores sergipanos e descobriu novos escritores. Ao mesmo tempo, a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe trazia para o teatro Ateneu recentemente inaugurado, artistas famosos, do Brasil e do estrangeiro. Mas deste movimento cultural, que acontecia principalmente em Aracaju, pouca gente participava, pois a maior parte da população continuava fora da escola e o analfabetismo entre os adultos era enorme. Esta década foi muito importante na história da luta pela educação. 3
A historiografia sergipana apresenta uma escassez de registros e pesquisas sobre as tradições populares, apesar de “em todas as manifestações da vida, já o dissemos, tem Sergipe lugar de destaque, qualquer que seja o empreendimento humano que se lhe aponte”. No entanto, o que se percebe é a desvalorização e o desconhecimento das manifestações artístico-populares. 4
Em geral, o que existe como fonte de pesquisa são coletâneas que tratam resumidamente os aspectos dos diversos folguedos do nosso Estado. Um exemplo é a “Revista Sergipana de Folclore”, organizada pela Comissão Sergipana de Folclore, que teve seu primeiro número lançado paralelo ao I Encontro Cultural de Laranjeiras, em agosto de 1976. No livro são tratados rituais folclóricos da festa de São Benedito, a Taieira, a Chegança, o Cacumbi e a Dança de São Gonçalo, porém de modo sintetizado.5
O I Encontro Cultural de Laranjeiras reuniu representantes de Pernambuco, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro, São Paulo, e naturalmente grande participação de Sergipe. O Encontro envolveu diversos municípios, registrando-se a presença de numerosos grupos folclóricos, nos desfiles; Chegança e Zabumba, de Lagarto, São Gonçalo, de Pinhão; Guerreiro, de Aracaju; São Gonçalo, Taieira e Cacumbi, de Laranjeiras; Chegança, de Itabaiana, Reisado, de Siriri; Candomblé, de Aracaju; Guerreiro e Samba de Coco, de Nossa Senhora do Socorro; Guerreiro, de Riachuelo; Batalhão e Samba de roda, de Carmópolis; Cacumbi e Maracatu, de Japaratuba. E também violeiros, emboladores de coco e poetas populares.6
O projeto elaborado para o I Encontro indicava: estudar as manifestações da cultura popular no Estado; promover as apresentações de grupos; proteger a organização de grupos em função dos Centros regionais de folclore; discutir, em alto nível, as questões fundamentais da cultura popular; fomentar o intercâmbio intermunicipal de grupos; valorizar a criação popular, em todos os níveis. Desde 1976, estudiosos e pesquisadores dos diversos pontos do Brasil reúnem-se para estudar, interpretar, contribuir para a valorização de nossa cultura popular. O que nos leva a perceber que tais objetivos permanecem atuais, porque são princípios assentados na realidade social, na dinâmica cultural, na evolução da própria sociedade. O olhar tem as suas maneiras de ver influenciadas e até determinadas pela dinâmica social. Tais objetivos firmaram-se pelo seu acerto, pela identificação com as peculiaridades culturais do país e continua a constituir o caminho por onde passam as nossas preocupações, o nosso interesse, o nosso reconhecimento dos valores de nossa cultura popular.7
Há uma produção de Beatriz Góis Dantas intitulada “Cadernos de Folclore” que trata das principais manifestações culturais de Sergipe, abordando cada uma individualmente. De modo específico, no “Cadernos de Folclore nº 14”, a autora apresenta uma visão geral da Chegança, a partir dos dados colhidos em duas cidades sergipanas: Lagarto e Laranjeiras. Nesta obra são abordados as características do folguedo enfatizando suas partes constitutivas, personagens, trajes, instrumentos musicais, coreografia, etc. Segundo a autora, a Chegança, a exemplo de outros folguedos, transmite não só um modo de crenças, mas também uma mensagem de legitimação social.8
Percebe-se que essa falta de registro constitui-se como uma lacuna em nossa historiografia e apresenta-se como um ponto negativo, pois segundo Antônio Augusto Arantes, “é justamente manipulando repertório de fragmentos de ‘coisas populares’ que, em muitas sociedades, inclusive a nossa, expressa-se e reafirma-se simbolicamente a identidade da nação como um todo ou, quando muito, das regiões, encobrindo a diversidade e as desigualdades sociais efetivamente existentes no seu interior”.9
Certamente, esses fragmentos compõem a cultura de um povo, uma vez que cada grupo social se divide pela crença, ideologia e interesses. Isso porque as manifestações populares herdadas de gerações passadas sofrem influência das novas gerações que as interpreta, representa e recria os objetos, as concepções e práticas dando-lhes uma nova roupagem, o que constitui a expressão social de um determinado grupo.

Notas do artigo


1 DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. p. 48.
2 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p. 28-30.
3 OLIVA, Terezinha Alves de e SANTOS, Lenalda Andrade. Para Conhecer a História de Sergipe. Aracaju: Opção Gráfica, 1998. p.98-99.
4 SILVA, Clodomir de Souza e. Álbum de Sergipe: 1820-1920. Aracaju, 24/10/1920. (Ementa).
5 COMISSÃO SERGIPANA DE FOLCLORE. Revista Sergipana de Folclore. N. 1, ano 1. Aracaju, Agosto de 1976.
6 NASCIMENTO, Bráulio do. Os encontros culturais de Laranjeiras.In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 13-15.
7 NASCIMENTO, Bráulio do. Os encontros culturais de Laranjeiras. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 11-13.
8 DANTAS, Beatriz Góis. Cadernos de Folclore nº 14: Chegança. Rio de Janeiro: s/ed., 1985. p. 11.
9 ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. p. 15.