quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Identidade sergipana e cultura popular


Para Beatriz Góis Dantas, que é uma estudiosa da cultura popular sergipana, a busca das origens tem sido uma das vertentes interpretativas mais frequentes nos estudos do Folclore tentando filiar traços culturais às diferentes etnias que entraram na composição do povo brasileiro.
A cultura popular sergipana é carente de estudos aprofundados e da participação política, no sentido de incentivar as pesquisas sobre esta para que não venha a cair no esquecimento da memória social, pois as velhas identidades que por muito tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno antes visto como um sujeito unificado. As atividades modernas estão sendo “descentradas”, ou seja, deslocadas ou fragmentadas. Como agravante dessa descentralização, a cultura nacional contribui para criar padrões de alfabetização universais que favorecem para que as culturas populares percam suas características ao longo do tempo.
 Marcos Ayala e Maria Ignez Novais Ayala, partindo do ponto de vista de vários estudiosos da cultura popular brasileira, salientam quanto à concepção de que a cultura popular é rústica, ingênua e algo primitivo. Além disso, há a preocupação do registro das manifestações para evitar o desaparecimento, já que as obras do passado são de fundamental importância para a sobrevivência das culturas e servem para a análise e o estudo posteriores desta. Segundo os autores, há uma hegemonia étnica nos grupos culturais brasileiros, demonstrando a identidade típica de um país influenciado por diferentes nações.
Para Antônio Augusto Arantes, o assunto cultura popular causa mal-estar em muitos intelectuais pelo fato de essa noção ter servido a interesses políticos populistas e paternalistas, tanto de direita quanto de esquerda. Há ainda, segundo o autor, uma visão deturpada sobre o “popular” que trata o “fazer” separado do “saber”, ou seja, a cultura popular como característica das camadas populares mais pobres.
Na concepção de Carlos Rodrigues Brandão, a cultura popular é assim, justamente porque há nisso um forte e dinâmico teor de resistência política às inovações impostas pelo colonizador ou pelas classes dominantes. O conteúdo e a forma tradicionais dos modos de “sentir”, pensar e “agir” do índio, do povo colonizado da comunidade camponesa são uma forma de resistir a padrões equivalentes, modernos e incorporados à força como instrumentos de dominação através da distribuição de valores próprios de cultura.
Mundicarmo Ferretti, em seus estudos sobre “Folclore e Sociedade”, expressa que a dinâmica do folclore tem a ver com as alterações políticas e econômicas da sociedade e que, os que consideram o folclore um fruto da pobreza e da ignorância, geralmente acreditam que ele deve desaparecer com a redução das desigualdades sociais e com a revolução socialista, e que não deve merecer atenção das vanguardas políticas. Contudo, se folclore é tradição, sua mudança precisa ser realizada de modo que não comprometa sua própria existência e não pode ser ditada pela moda. Por outro lado, sua valorização deve apoiar-se mais na correspondência profunda que existe entre ele e a sociedade que o produziu (em termos de gosto e visão de mundo) e na consciência de que ele é parte do seu patrimônio cultural e, como tal, deve ser por ela preservado.
Ciente das transformações que as culturas sofrem de geração a geração, percebemos um quadro preocupante na manutenção destas, pois uma sociedade que não se reconhece está fadada à perda de sua identidade e ao enfraquecimento de seus valores mais intrínsecos. O envolvimento da sociedade no processo de fortalecimento de uma cultura é fundamental para a construção de uma opinião consciente e ativa na evolução de sua cidadania.
Para Aglaé D’Ávila Fontes de Alencar, a aplicação do folclore na educação representa para nós, uma forma de integrar a cultura da região à prática pedagógica, fornecendo material para o funcionamento de um verdadeiro laboratório educacional, na qual as ações ajudam a eliminar as nossas omissões em relação à cultura popular. Educadores, pesquisadores, escritores, poetas, estudiosos do folclore, constituem-se por si só, elementos estimulativos para gerar a força necessária à reflexão, à crítica e a análise, levando por certo ao surgimento cristalino da conclusão. Ao lado desse valor caminha outro: o de fazer chegar a todos, não só o clamor da angústia, mas a presença enriquecedora da esperança. Um é sequência do outro na busca da sensibilidade que leva à mudança.
Refletindo sobre a nossa sociedade, sobressai a esse respeito, a desvalorização das manifestações culturais e, ao recorrermos ao pensamento de Paulo Freire, entendemos que só uma “alfabetização cultural” que capacite o educando a compreender sua identidade cultural e a se reconhecer, de forma consciente, em seus valores próprios, em sua memória pessoal e coletiva. Ainda segundo nosso pensador, “a criticidade e as finalidades que se acham nas relações entre os seres humanos e o mundo implicam em que estas relações se dão com um espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural. Para os seres humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um depois. Desta forma, as relações entre os seres humanos e o mundo são em si históricas, como históricos são os seres humanos, que não apenas fazem a história deste mútuo fazer mas, consequentemente, contam a história deste mútuo fazer”.
Segundo Stuart Hall, apenas quando a cultura nacional e as identidades nacionais forem respondidas, se são realmente tão unificadas e tão homogêneas como representam ser, respectivamente, é que poderemos considerar adequadamente os argumentos de que as identidades nacionais foram uma vez centradas, coerentes e inteiras, mas que estão sendo deslocadas pelos processos de globalização. Argumenta ainda que, as características temporais e espaciais que resultam na compreensão de distância e de escalas temporais, são aspectos importantes da globalização sobre as identidades culturais. Com a globalização, as identidades sofrem três consequências: se desintegram com a crescente homogeneização cultural; as identidades nacionais, “locais” ou particularistas estão sendo reforçadas pela resistência à globalização; as identidades nacionais estão em declínio, mais novas identidades – híbridas – estão tomando seu lugar.
As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais, regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional, as identidades “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais.
O Brasil é um país pluricultural e deve esta característica ao conjunto de etnias que oformaram e à extensão de seu território. Estas diversidades culturais regionais contribuem para formação da identidade brasileira, incorporando-se ao processo de formação do indivíduo, e permitindo-lhe reconhecer o passado, compreender o presente e agir sobre ele. Reforçando esse pensamento, Arantes afirma que, essa diversidade, que se desenvolve em processos históricos múltiplos, é o lugar privilegiado da “cultura” uma vez que, sendo em grande medida arbitrária e convencional, ela constitui os diversos núcleos de identidade dos vários agrupamentos humanos, ao mesmo tempo que os diferencia uns dos outros. Pertencer a um grupo social implica, basicamente, em compartilhar um modo específico de comportar-se em relação aos outros homens e à natureza.
Partindo do pressuposto de que a cultura popular também faz parte de uma vertente política, se faz necessário que os órgãos públicos elaborem ações no sentido de resgatar e preservar os folguedos, as danças, os rituais, os mitos, lendas em fim, tudo aquilo que é considerado patrimônio cultural de um povo para que haja uma continuidade destes para gerações e que, se houver influência dos meios externos, que estes não sejam descaracterizados em sua totalidade. Como observa Itaqui, a cultura é um espaço privilegiado que nos permite, de forma crítica, trabalhar nos contrastes, nas diferenças para possibilitar aos sujeitos desse processo rever-se, e nesses espelhos se entenderem individual e coletivamente. A política cultural é sempre um ato de iluminação, de transformação. Não é um processo de contemplação ou de afirmação de uma situação dada, mas de enfrentamento: é a criação de espaços sociais de construção de cidadania, de participação, de libertação.
Neste sentido, Marcos Ayala e Maria Ignez Novais Ayala, enfatizam que a diferença de posição dos diferentes grupos sociais na estrutura de classes implica a existência de concepções de mundo que se contrapõem. Analisam ainda que a cultura popular tanto veicula os pontos de vista e interesses das classes subalternas, numa perspectiva de crítica à dominação, mais ou menos consciente, quanto internaliza os pontos de vista e interesses das classes dominantes, legitimando a desigualdade existente.
Sabemos que a ideia de produção e preservação de uma cultura se conecta ao seu conhecimento e ao seu uso social, ou seja, é preciso que os folguedos sejam mais expressivos e mais divulgados pelos seus responsáveis para que as novas gerações tenham conhecimento destes e passem a vê-los e a interpretá-los como uma continuidade, uma herança de seus antepassados. Assim, não cabe mais analisar as práticas culturais populares como sobrevivências do passado no presente, pois, independentemente de suas origens, mais remotas ou mais recentes, mais próximas ou mais distantes geograficamente, elas se reproduzem e atuam como parte de um processo histórico e social que lhe dá sentido no presente, que as transforma e faz com que ganhem novos significados.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes de. Folclore e Educação Musical. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 125.

ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981, p.26.

AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura Popular no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1987.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p. 40.

DANTAS, Beatriz Góis. Rito de Passagem na Cultura Rural Tradicional. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 287.

FERRETTI, Mundicarmo. Folclore e Sociedade. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 266.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos.  10ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2003, p.81.

HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade.  11ª ed.. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.

ITAQUI, José. Educação Patrimonial e desenvolvimento sustentável. In: Revista Ciências & Letras. Porto alegre: FPAECL, nº. 27, jan/jun. 2000, p.229.