quarta-feira, 25 de agosto de 2010

As origens da Chegança Santa Cruz de Itabaiana

A Chegança Santa Cruz de Itabaiana-SE, foi fundada em 10-04-1947 por José Serafim de Menezes (Zé de Binel). A iniciativa de criar o grupo surgiu de conversas entre José Serafim de Menezes e seu amigo Joãozinho Tavares, os quais trabalhavam em uma fábrica de algodão em Itabaiana. Enquanto trabalhavam, Joãozinho Tavares contava a Zé de Binel sobre um folguedo que existia em Alagoas, do qual ele fazia parte antes de vir para Sergipe e o convidou para montar um grupo em Itabaiana.1
Após várias conversas, nas quais Joãozinho descrevia detalhadamente o folguedo, José Serafim de Menezes, muito jovem, ficou deslumbrado com a história do mesmo e resolveu convidar, inicialmente, pessoas de sua família e alguns amigos da fábrica para montar o grupo e realizar os primeiros ensaios. A princípio, eram 32 componentes que realizavam juntos várias apresentações por todo o Estado, inclusive no 1º Encontro Cultural de Laranjeiras (1976). Em meio às dificuldades enfrentadas ao longo dos anos, alguns componentes foram deixando o grupo, porém as exibições não perderam suas características, pois há pessoas que se apresentam duas vezes. A denominação “Santa Cruz”, foi em homenagem à Saboaria Santa Cruz, em Itabaiana, de propriedade de Azer da saboaria, padrinho de José Serafim de Menezes. Até então o folguedo apresentava-se somente como Chegança.2
Como está registrado na biografia do fundador da Saboaria Santa Cruz, Francisco Antônio dos Santos, conhecido como Chico Risada, este montou uma pequena saboaria, numa época de poucos investimentos no segmento industrial, a qual passou para seu filho Azer dos Santos. De tão importante no cotidiano da cidade a fabrica serviria para batizar o grupo folclórico Chegança Santa Cruz, fundada pelo ex-funcionário da fábrica Zé de Binel.3
No início do grupo, a grande dificuldade enfrentada foi a falta de um espaço para a realização dos ensaios. Como eram muitas pessoas, a sala da casa de Sr. Zé não acomodava todos e isso causava muitas desavenças entres eles, já que alguns ficavam do lado de fora esperando entrar em cena. Além disso não era possível coordenar a todos ao mesmo tempo, o que dificultava o trabalho de Zé de Binel e causava-lhe grande exaustão. Após alguns anos, conseguiu comprar uma casa que tinha um terreno ao lado não qual foi construída uma garagem destinada só para os ensaios do folguedo. 4

Notas do artigo

1 Depoimento de José Serafim de Menezes, concedido a Maria Antônia de Carvalho Barros e Tatiane Santana Santos. Itabaiana, 03 de junho de 2007. (Acervo das Autoras)
2 Depoimento de José Serafim de Menezes, concedido a Maria Antônia de Carvalho Barros e Tatiane Santana Santos. Itabaiana, 03 de junho de 2007. (Acervo das Autoras)
3 http://www.itabaiana.se.gov.br/biografias/francisco_antonio.php.
4 Depoimento de José Serafim de Menezes, concedido a Maria Antônia de Carvalho Barros e Tatiane Santana Santos. Itabaiana, 03 de junho de 2007. (Acervo das Autoras)
5 DANTAS, Beatriz Góis. Cadernos de Folclore nº 14: Chegança. Rio de Janeiro: s/ed., 1985. p. 03.
6 Depoimento de José Serafim de Menezes, concedido a Maria Antônia de Carvalho Barros e Tatiane Santana Santos. Itabaiana, 03 de junho de 2007. (Acervo das Autoras)
7 Idem.
8 Ibidem.
9COMISSÃO SERGIPANA DE FOLCLORE. Revista Sergipana de Folclore. N. 1, ano 1. Aracaju, Agosto de 1976. p. 12-13.
10 BENJAMIN, Roberto. Cristãos e Mouros. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 312.
11 BENJAMIN, Roberto. Obra Citada. p. 312.
12 Depoimento de José Serafim de Menezes, concedido a Maria Antônia de Carvalho Barros e Tatiane Santana Santos. Itabaiana, 03 de junho de 2007. (Acervo das Autoras)

terça-feira, 27 de julho de 2010

Breve histórico de Itabaiana

O povoamento de Itabaiana se iniciou a partir de doações sesmarias a colonos entre o final do século XVI e início do século XVII. Eles construíram o Arraial Santo Antônio e edificaram uma capela que atualmente é conhecida por Igreja Velha. O local onde se encontra o município de Itabaiana era conhecido no século XVII como Caatinga de Ayres da Rocha, em seu início era um sítio de propriedade do Padre Sebastião Pedrosa Góes que o vendeu à Irmandade das Almas, entidade religiosa fundada em 1665, com a condição de nele ser edificado um templo sob a invocação de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Quando da invasão dos holandeses a povoação foi visitada na esperança de se encontrar metais preciosos. Diversas expedições oficiais ocorrem no intuito de explorar as propaladas minas de Belchior Dias Moreia, contudo, nada se encontrou. A povoação foi elevada à condição de vila pela portaria de 20 de outubro de 1697 e a elevação dá-se em 1698. Itabaiana tornou-se vila sob nome de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Durante o século XVIII e XIX, a vila era a maior de Sergipe, ocupava grandes porções dos atuais agreste e sertão sergipano e terras do atual sertão baiano. Em 1820, a vila de Itabaiana atuou ativamente em prol da emancipação política de Sergipe, que até essa data era dependente da Bahia. Em 28 agosto de 1888, pela resolução 1331, foi elevada à condição cidade. Devido ao desenvolvimento econômico e processo de divisão administrativa, Itabaiana se desmembrou em diversos municípios, mas tornou-se o mais importante município do interior sergipano. O município é atualmente destaque no comércio, na agricultura e na vida intelectual de Sergipe.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Breve Histórico sobre a Feira de Itabaiana


O povoamento de Itabaiana se iniciou a partir de doações de sesmarias a colonos entre o final do século XVI e início do século XVII. A povoação foi elevada à condição de vila pela portaria de 20 de outubro de 1697. Itabaiana tornou-se vila sob nome de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. Durante o século XVIII e XIX, era a maior de Sergipe, ocupava grandes porções dos atuais agreste e sertão sergipano e terras do atual sertão baiano. Em 28 agosto de 1888, pela resolução 1331, foi elevada à condição cidade. Devido ao desenvolvimento econômico e processo de divisão administrativa, Itabaiana se desmembrou em diversos municípios, mas tornou-se o mais importante município do interior sergipano.
Os itabaianenses do século XIX comercializavam nas mais importantes feiras da Província de Sergipe (Laranjeiras, São Cristóvão, Maruim, Propriá), Bahia, Ceará e Pernambuco. Itabaiana ainda não tinha em sua sede uma feira bem estruturada, apesar de ser uma terra com grande produção agrícola. Desde tempos idos a feira de Itabaiana é realizada aos sábados. O local da antiga feira de Itabaiana era a Praça da Matriz. Comercializavam-se as mercadorias em pequenos botecos confeccionados com varas e esteiras. Assim se procedia por facilitarem a tarefa de desarmamento tão logo a feira fosse encerrada, no final da tarde. As mercadorias pagavam impostos. Desde essa época grande era a variedade de produtos comercializados (carnes, cereais, açúcar, café, bebidas, remédios caseiros, tecidos, couro e etc).
Grande impulso ganhou a feira de Itabaiana com a edificação de um Mercado Municipal no final do século XIX, situado atualmente num prédio vizinho à atual Prefeitura. Devido às rivalidades políticas da República Velha, a cidade passou a ter dois mercados (Mercado dos Pebas e Cabaús). Em 1926, foi edificado o Mercado Municipal e a feira passou a funcionar no atual Largo Santo Antonio. Com o crescimento da cidade, especialmente nas décadas de 50 e 60 do século passado, a cidade passou a ter dois dias de feira livre, o tradicional sábado e quartas-feiras. Nessa época também a extensão da feira foi sensivelmente ampliada com a ocupação do atual Largo José do Prado Franco. Mais recentemente, o município edificou o atual “Marcadão”, outrora Tanque do Povo, o que impulsionou de forma decisiva o progresso da cidade.  Atualmente, a feira de Itabaiana ocupa um espaço físico considerável do centro da cidade e é frequentada por milhares de pessoas das mais variadas cidades.
                        Foto: Acervo João Teixeira Lobo. Foto do Mercado dos Cabaús
Itabaiana é nacionalmente conhecida terra de empreendedores graças à sua feira que é, indubitavelmente, a mais importante do Estado de Sergipe e uma das mais destacadas do Norte e Nordeste, chegando até a ser cenário do romance “Vidas Perdidas” do escritor Carvalho Neto e homenageada com a canção pelo cantor Nill Cacho.
Texto: Wanderlei Menezes (Secretaria Municipal de Cultura)

quarta-feira, 31 de março de 2010

A Nova Jerusalém de Itabaiana: Paixão de Cristo do Povoado Mangabeira


Os moradores do povoado Mangabeira juntamente com a Prefeitura de Itabaiana, através das secretárias municipais, estão empenhados na realização da 10a edição da encenação da Paixão de Cristo nesse povoado, que ocorrerá no dia 1º de abril de 2010, a partir das 19:00 hs. Toda a logística para a realização do evento está sendo preparada, com o intuito de tornar o espetáculo grandioso. As Secretárias Municipais estão dando todo apoio necessário para a realização da encenação que marca as comemorações pela passagem da Páscoa na cidade serrana.

O Teatro de Paixão de Cristo do povoado Mangabeira é realizado graças à ação da comunidade local. São mais de 80 atores, todos oriundos da comunidade que uma vez por ano se reúnem para dar continuidade a esse que já é um evento cultural e religioso do nosso município. Os cenários serão montados em plena praça na frente da igreja local. São lavradores, donas de casa, profissionais liberais, feirantes, ou seja, homens do povo, que fazem uma das maiores e mais belas exibições teatrais ao ar livre do Estado de Sergipe.

Desde o ano 2000 que o espetáculo vem sendo realizado, porém era pouco conhecido e, praticamente, restrito aos moradores da Mangabeira e povoados circunvizinhos. No ano passado, graças a ação da Secretaria Municipal de Cultura, em parceria com a Secretaria de Esporte, Lazer, Eventos e Turismo, tivemos um grande espetáculo assistido por milhares de pessoas, com efeitos especiais e show pirotécnico nunca antes visto, deixando encantados os moradores, visitantes, turistas e autoridades. A iniciativa dos moradores do povoado mangabeira, conta com vários colaboradores e este ano promete superar as expectativas. Espera-se um público maior ainda que o do ano passado.

Fotos: Arquivo da Secretaria Municipal de Cultura/Itabaiana.

terça-feira, 16 de março de 2010

Bibliografia para se estudar o folclore de Itabaiana



ALENCAR, Aglaé D’Ávila Fontes de. Folclore e Educação Musical. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994.


ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981.


AYALA, Marcos; AYALA, Maria Ignez Novais. Cultura Popular no Brasil. São Paulo: Editora Ática, 1987.


BENJAMIN, Roberto. Cristãos e Mouros. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994.


BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.


COMISSÃO SERGIPANA DE FOLCLORE. Revista Sergipana de Folclore. N. 1, ano 1. Aracaju, Agosto de 1976.


DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987.


DANTAS, Beatriz Góis. Cadernos de Folclore nº 14: Chegança. Rio de Janeiro: s/ed., 1985.


___________________ Rito de Passagem na Cultura Rural Tradicional. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994.


FERRETTI, Mundicarmo. Folclore e Sociedade. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994.


FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade e outros escritos. 10ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 2003.


HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. 11ª ed.. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.


http://www.itabaiana.se.gov.br/biografias/francisco_antonio.php.


ITAQUI, José. Educação Patrimonial e desenvolvimento sustentável. In: Revista Ciências & Letras. Porto alegre: FPAECL, nº. 27, jan/jun. 2000.
NAPOLITANO, Marcos. Cultura Brasileira: utopia e massificação (1950-1980). São Paulo: Contexto, 2001.


NASCIMENTO, Bráulio do. Os encontros culturais de Laranjeiras.In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994.


OLIVA, Terezinha Alves de e SANTOS, Lenalda Andrade. Para Conhecer a História de Sergipe. Aracaju: Opção Gráfica, 1998.


SÁ, Antônio Fernando de Araújo. Combates entre História e Memória. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2005.


SILVA, Clodomir de Souza e. Álbum de Sergipe: 1820-1920. Aracaju, 24/10/1920. (Ementa).


TOMPSON, Paul. A contribuição da história oral. In: A voz do passado: história oral. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.137.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Crimes e mais crimes na construção da má fama da cidade de Itabaiana: cidade violenta e terra de pistoleiros

Foto: http://www.cidadaodomundo.org.br/wp-content/uploads/2009/12/Pistoleiro.jpg
            
Wanderlei de Oliveira Menezes
Graduando em História/UFS
Resumo:

O presente trabalho consiste no estudo da construção e difusão em Sergipe e, de certa forma em nível nacional, da imagem negativa do município de Itabaiana, visto como lugar violento, terra de gente “braba” e de pistoleiros. Tomando os possíveis casos formadores dessa alcunha, buscamos entender, historicamente, como foi construído o rótulo que permanece vivo até os dias atuais. A proposta desta comunicação é analisar sob o ponto de vista histórico a partir de quando essa alcunha torna-se forte a ponto de fincar raízes no imaginário social. Teoricamente, nos apoiamos em Bronislaw Baczko e Evelyne Patlagean, dois importantes teóricos da história do imaginário. Fazemos um estudo de longa duração.

Palavra-chaves: Itabaiana, violência, história do imaginário.

O imaginário social não só representa a realidade, mas também atua sobre ela, acionando práticas e imprimindo direções (CHARTIER, 1991)

         Baczko (1986) define o imaginário social como um ponto de referência no sistema simbólico produzido pelas coletividades, contribuindo para a organização da vida social e para a definição dos seus objetivos. O imaginário tem a capacidade de regular a vida coletiva, designando identidades, elaborando representações, estabelecendo e distribuindo papéis e posições sociais, exprimindo e impondo crenças comuns, e construindo códigos de comportamento. Através do imaginário social, segundo o autor, uma coletividade consegue organizar-se de modo que cada indivíduo encontre nela sua identidade, seu lugar, seu papel, sua razão de ser. A construção da identidade está, por seu turno, relacionada à delimitação de um território e à definição de imagens acerca dos amigos e inimigos, dos aliados e rivais. Com suas referências simbólicas (ritos, símbolos, mitos, imagens, instituições, dialetos, etc.), o imaginário social possibilita que as comunidades encontrem respostas ou soluções aos seus conflitos culturais, religiosos, políticos e étnicos. Em outros termos, pode-se dizer que, quando um grupo se sente ameaçado, ele aciona dispositivos imaginários, a fim de unir e mobilizar seus membros à ação. Ainda na visão de Baczko (1986, p. 311),
o imaginário social informa acerca da realidade, ao mesmo tempo em que constitui um apelo à ação, um apelo a comportar-se de determinada maneira. Esquema de interpretação, mas também de valorização, o dispositivo imaginário suscita a adesão a um sistema de valores e intervém eficazmente nos processos da sua interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos, capturando as energias e, em caso de necessidade, arrastando os indivíduos para uma ação comum.

         O imaginário, para o autor, é algo inerente a todas as coletividades, nas quais surge e sobre as quais atua. Ele pode ser apropriado e manipulado pelo poder político, através de livros, jornais, revistas, rádios, televisão, outdoors, discursos e panfletos, a fim de controlar a vida social, produzindo, assim, visões futuras e projetando angústias, esperanças e sonhos coletivos.
         Segundo Evelyne Patlagean (1990), não existe nenhuma sociedade que não tenha seu imaginário, o qual é constituído por um conjunto de representações oriundo das suas mais diversas experiências. Aí estariam incluídos, por exemplo, os sonhos, os desejos, as utopias, as repressões, as evasões e as recusas, os jogos, as artes, as festas, os espetáculos, a curiosidade acerca de terras desconhecidas, a origem dos homens e das nações, as incógnitas sobre o futuro e o presente, a consciência do corpo vivido e os movimentos involuntários da alma.
         Durand (1988), por seu turno, define o imaginário como a referência última de toda a produção humana, na qual se organizam, consciente ou inconscientemente, suas obras, atitudes e opiniões. Produto resultante da imaginação, o imaginário manifesta-se discursivamente através do mito, do arranjo de símbolos e imagens, por meio dos quais o ser humano revela seu conhecimento.
         Ainda segundo Durand (1988) o homem entra em contato com a realidade de duas maneiras: diretamente, quando o objeto apresenta-se ao espírito; e indiretamente, quando o objeto não pode se apresentar de forma imediata à sensibilidade. Os modos de conhecimento indireto são o signo, a alegoria e o símbolo. O signo caracteriza-se por ser uma convenção, na qual significante e significado mantêm uma relação unívoca. A alegoria, por sua vez, apresenta-se como a concretização de uma idéia abstrata que se faz no intuito de que essa seja melhor compreendida, ou seja, parte-se de uma idéia para chegar-se a uma representação. Já no símbolo, a relação entre significante e significado nasce de certa similitude, de certa familiaridade, sem se estabelecer, no entanto, uma relação unívoca. O símbolo, portanto, é uma representação, uma figura, um signo concreto que evoca idéias ausentes ou impossíveis de se compreender de outra forma.
Quando se fala em Itabaiana de imediato vem a mente a imagem da principal cidade interiorana do Estado de Sergipe, da lendária Serra, da terra do ouro, dos caminhoneiros, da cebola, de gente rica e de belas mulheres. Contudo, outra imagem também é possível: terra violenta, de “cabra brabo” e de pistoleiros. Estas últimas alcunhas são fortes no imaginário popular dentro e fora dos limites do Estado de Sergipe.
Tornam-se necessárias algumas ressalvas antes de começarmos, propriamente dito a exposição: primeiro: a alcunha aqui analisada existe em outros estados com suas especificidades – temos na Bahia, Feira de Santana; em Alagoas, Arapiraca; em Pernambuco, Floresta e etc. Não estamos tratando de caso único e singular; em segundo lugar: a construção dessa imagem é entendida não como construída por nenhum discurso político, ela é mais forte e sentida na mentalidade popular e nos meios de comunicação; Por último: a periodização aplicada (fase colonial, século XIX e XX) e os casos tomados foram selecionados tendo em vista sua repercussão num dado contexto e provável contribuição na construção do rótulo estudado.
Começaremos a análise pelo período colonial, aqui entendam os séculos XVII e XVIII. Seria essa fase a responsável pela criação da imagem negativa de Itabaiana?
Tínhamos como provável elemento contribuidor os mocambos das Matas de Itabaiana que são mencionados por NUNES (1989) e FREIRE (1891). Esses espaços de fuga de negros fugidos causaram inquietação às autoridades metropolitanas e colonos de tal forma que para perseguirem e destruírem os negros fujões fora criado em 1668 o Distrito de Santo Antônio de Itabaiana (ALMEIDA: 2004, p.2). Contudo, como bem expõe NUNES (1989), em Sergipe havia três zonas principais de localização dos mocambos, a saber: a do Rio Real, a do Baixo São Francisco e das Matas de Itabaiana, numericamente importante, todavia não a única e nem a mais violenta nos embates entre colonizadores e negros fujões.
Se havia uma imagem forte durante esses dois séculos era a das propaladas minas de prata do sertanista Belchior Dias Moréia. O Boato que existiam minas de prata na Serra de Itabaiana motivou inúmeros aventureiros, expedições oficiais e particulares. Até os holandeses escavacaram a serra em busca dos tesouros ocultos. Apesar das várias expedições nada foi encontrado. Faltou ouro, sobraram lendas. Nos primeiros séculos, o que não faltaram foram lendas criadas pelo imaginário popular para explicar as origens dos itabaianenses. Nenhuma dessas se aproxima com a alcunha estudada.
Seria então o século XIX, época em que Itabaiana crescia em importância política em Sergipe, que se iniciaria a má fama?
Motivos não faltaram para os anos dos oitocentos serem o formador da imagem ruim. Temos célebres pistoleiros e facínoras, violência em grande quantidade e de todas as maneiras, uns clérigos que manchariam a honra de qualquer lugar, roubos, altos índices de criminalidades e presos capturados – enfim, se fossemos pintar um quadro da atrasada Vila de Santo Antônio e Almas de Itabaiana oitocentista seria negro.
Vamos começar pelos pistoleiros e facínoras. Seriam esses os tais que criaram a fama de terra de pistoleiros?
O século XIX mal começou na pacata vila de Itabaiana e já se tinha o mais temido assassino da capitania de Sergipe Del Rey. Famoso no atual agreste e Cotinguiba, seu nome era Antônio Hilário. Temido pela mira do bacamarte, era respeitado pelos “grandes” de sua época. Só entre 1808 e 1810, segundo LIMA JÚNIOR (1914), ele praticou de 12 a 13 mortes – isso só as que temos menção. O padre Joaquim José de Lacerda deu um ponto final a sua carreira criminosa ao lhe armar uma emboscada fatal em 1811. Antonio Hilário, hilariamente, é morto por pistoleiros contratado pelo mencionado vigário de maneira bastante cruel na frente da Igreja de Laranjeiras. Sua família morava na localidade Flexas, em Itabaiana, e foi impiedosamente exterminada na própria casa na chama criminosa dos protegidos de José de Barros Pimentel, o famoso Zé de Barão. O caso chega à corte, abre-se devassa, o corpo de delito é feito, trinta testemunhas são ouvidas e no final ninguém é punido.
Outro criminoso de igual porte ao anterior, surge longo em seguida. Pistoleiro e facínora Antônio José Dias, vulgo Mata Escura, aprontou grandes misérias nas décadas de 30 e 40 em Itabaiana e região. Não dá para precisar a quantidade de crimes cometidos ou em que foi cúmplice. De acordo com Pedrinho dos Santos (2003), ele é acusado de mais de seis crimes, dentre os quais cita 3: com 13 punhaladas, numa sexta-feira santa, matou um tal Zezito do Leite;  castrou com um facão de cortar cana o caçador de escravos Tonho de Esmeralda e matou ao infeliz José Francisco, auxiliado por Manoel Antônio (irmão da vítima), em seu próprio leito quando dormia para se recuperar de graves ferimentos. Preso finalmente em 1845, julgado e condenado à forca, o valentão não vê o dia 08 de março de 1847 terminar - à propósito de suas peripécia vide a versão romanceada presente no apêndice do escritor Acrísio TORRES (1999).
A cidade com o fim de Antônio Hilário e Mata Escura não poderia ficar sem seu pistoleiro. Continuando o legado de seus antecessores, surge Xicão. Citado por FREIRE (1891) como profissional da pistola. Pouco se sabe sobre sua vida. O certo é que sua fama provem dos assassinatos praticados a mando ou por conta própria. Até o presidente de província Amâncio J. P. de Andrade em relatório a Assembléia em 1851, fala-nos de sua atividade criminosa”:

O assassinato mais notável deste ano [1851], não pela qualidade da vitima (o assassinado era pobre), mas pela barbaridade com que foi cometido é o que teve logar no dia 02 de Abril, no sítio denominado Cova de Onça, termo de Itabaiana, onde um tal Manoel Francisco de Góis recebeu tantas facadas e cacetadas que seria impossível contar.

          Aqui estamos num aspecto interessante do nosso questionamento. Teria dado os três a fama de terra de pistoleiro? Não resta dúvida que esses homens apavoraram os locais por onde passavam, contudo essa situação não era privilégio de Itabaiana. Capangas, facínoras e pistoleiros como bem expõe FREIRE (1891) habitavam em outras localidades. O velho historiador menciona Inocêncio em Laranjeiras, Matias em Maruim, Moura no Rosário, Vicente Cardoso em Santo Amaro, Maruba na Capela, Quincas em Própria. Outro não citado por Felisbelo Freire foi João Bolacha, capanga do grande chefe político Botto. Quando da Revolução de Santo Amaro (1836), entrou na Matriz embriagado e atirou na Imagem de Santo Amaro, tiro esse que acertou na mão direita, até hoje procurada pelo santo (CINFORME: p. 239). Com isso, apesar do esforço dos três facínoras ainda não era o suficiente para se formar a alcunha pejorativa de cidade de pistoleiros. A concorrência era grande.
Agora é a vez dos crimes, abusos, devassidão clerical e uma série de outras desgraças.
Bem poderiam ser os anos de 1848 e 1849 os responsáveis pela má forma. No primeiro ano era enforcado, em praça pública, o mascate ambulante João Gomes de Rezende. A repercussão desse enforcamento foi tamanha. O jornal “Diário da Bahia” narra a injustiça cometida ao infeliz que pagou com a vida pelo que não cometeu, daí o criminologista e romancista Afrânio PEIXOTO (1916) ter difundido a história que esse suposto erro judicial levou D.Pedro II a comutar a pena de morte no Brasil; no obstante, a história ganhou as páginas dos antigos historiadores do Direito Criminal Brasileiro. Mesmo assim um fato isolado e por si só não seria o suficiente para construir a má fama.
No segundo ano temos os lamentáveis incidentes durante o pleito eleitoral de 1849. Motivado pelas rivalidades partidárias, houve um intenso tiroteio na porta da Matriz resultando em um saldo de 3 mortos e 19 feridos. A situação leva o pároco Felix Barreto de Vasconcelos a se queixar na imprensa e na Assembléia da administração do futuro conselheiro de estado Zacarias Góis e Vasconcelos, na época Presidente da província, que em seu relatório sugere que a província vive “no melhor dos mundos possíveis” – tomando as palavras do sábio Voltaire. O fato logo foi esquecido, pois em 1856, 1863 e 1868 ocorreram casos parecidos. Disso tudo sobraram apenas as marcas de bala dentro e fora da matriz (CARVALHO,1973).
A cidade em seguida passaria por epidemias de cólera morbus e febre amarela que quase não deixaram itabaianense para contar a história, Segundo ALMEIDA (2004) em 1849 foram 300 mortes, em 1853 cerca de 7000 óbitos (!) e em 1863, 934 mortes.
Enquanto os políticos se digladiavam e o povo morria pelas pestes, a paróquia era o único refúgio naqueles anos calamitosos. Porém, até os padres agiram em prol da má fama da vila. MOTT (1989) encontrou muitas queixas no Arquivo Nacional da conduta do vigário Alexandre Pinto Lobão (1810-1841). O indigno sacerdote bem poderia aparecer nos escritos libertinos do Marquês de Sade. O pároco é acusado de “exvirginador de donzelas”, de usar o confessionário para suas paqueras, ser arrogante, ganancioso e até homicida: “com faca de ponta penetrante matou um seo escravo mulato de nome Pedro”. Odiado pela maioria dos fregueses, que o denunciou a Inquisição, como deve ter ficado feliz o vigário ao saber em 1821 que o Tribunal da Santa Inquisição era banido do Brasil..
Menos extravagante, mas nem por isso menos devasso, foi o padre Domingos de Melo Rezende (1852-1902). Amado pelo seu “rebanho”, como sugere SEBRÃO SOBRINHO (2003), se envolveu na política (algo comum na época) e batizou muitos de seus filhos. CARVALHO (2000) diz que sua prole era grande, inclusive tinha vida marital pública, amantes e filhos com sua escrava Maria de Tal. Dos filhos do padre o mais famoso foi Hilário de Melo Rezende que se notabilizaria como músico e tem uma rua com seu nome.
Contudo, condenações injustas, querelas políticas, vigários criminosos – o mais destacado no gênero foi o Padre Manoel da Silva Porto conforme FIGUEIREDO (1986), que estudou uma dezena dessa mesma estirpe – não era motivo o bastante para pôr má fama em lugar nenhum.
Se havia uma fama forte no século XIX era a do “ouro branco”. O surto algodoeiro da segunda metade do século mudou o agreste sergipano, Itabaiana sente as mudanças, agora lugar próspero, apesar do atraso e do isolamento.
É marca do século XX o espetacular desenvolvimento no setor da comunicação e sua extensão a público cada vez maior. A má fama para repercutir precisa da comunicação. Os acontecimentos da outrora isolada vila de Itabaiana dificilmente ganhariam as páginas noticiários, o primeiro jornal chegaria em 1935. O século XX mudaria esse quadro.
Do período de 1870 a 1930, os dois trabalhos de SOUZA (2003; 2005) são importantes nessa discussão. SOUZA (2003) se refere às fronteiras do agreste de Itabaiana como ponto de encontro e passagem de transgressores da ordem social, um verdadeiro far west ,contudo a imagem que esses homens tinham do Agreste de itabaiana era outra: “Além das fronteiras existem mulheres bonitas, cavalos bons e gente rica...” -- para usar o título do autor.
A violência em Itabaiana começava a se destacar no cotidiano e nos jornais da capital. Em tese de doutorado, o mesmo autor estuda o conflito entre o Coronel Sebrão e o padre romanizador Vicente Francisco de Jesus. O embate resultou em morte durante as trezenas de 1916 e no afastamento do pároco no ano seguinte. O caso ganhou os jornais da capital e três caxangás, presente na integra em CARVALHO (2000), logo o incidente foi esquecido e silenciado.
O fato que marcava de maneira decisiva a história política de Itabaiana e sua má fama seriam os acontecimentos dos anos 60. Naquela época Euclides Paes Mendonça e Francisco Teles disputavam a hegemonia política do município. SANTOS (2003) expõe a forma autoritária como Euclides mandava e desmandava na cidade. Em 1963, ele, na época Deputado Federal, e o filho, também deputado são metralhados durante uma manifestação pública. O caso ganha as folhas dos principais jornais nacionais, a exemplo do Estado de São Paulo, citado por DANTAS (1987) e Correio Brasiliense, citado por SANTOS (2003). Em Sergipe, só se falava no caso, assim a má fama de cidade violenta, se disseminará tal qual rosto de pólvora. Uma CPI é formada para apurar o caso que no fim não resulta em nada. O resultado imediato foi a crescente ascensão de Francisco Teles de Mendonça, o famoso Chico de Miguel (até os dias atuais o maior chefe político da cidade) agora herdeiro político do finado.
A desgraça ainda não acabara. Quatro anos após o assassinato de Euclides, Manuel Teles, seu arqui-rival político, seria o próximo. Assassinato a queima-roupa na porta de casa pelo pistoleiro paraibano Antônio Letreiro, a culpa do crime recaiu sobre o ascendente político ligado a antiga UDN e herdeiro político de Euclides, Francisco Teles de Mendonça, o Chico de Miguel, que foi preso e logo em seguida absolvido no júri por 6 votos a 1, conforme DANTAS (1987).
Todos esses últimos acontecimentos certamente influíram de maneira decisiva para construção da má fama de Itabaiana. As pessoas falam do caso de Euclides e Manoel Teles até hoje.
Em 1978, a Emissora Princesa da Serra surge com o intuito de denunciar os abusos e excessos de Chico de Miguel e seus aliados. Pelas ondas do rádio no estado de Sergipe e sertão da Bahia é propagada a imagem de uma terra sem lei, violenta em que tudo era resolvido na pistola.
Assim as duas últimas gerações reproduzirem o discurso de cidade violenta e terra de pistoleiros imputados a Itabaiana, representante sergipana nesse gênero. As imagens do eldorado e do “ouro branco” cederam espaço à da cidade violenta e terra de pistoleiros, mesmo que as elites locais usem o discurso de terra ordeira, de gente de bem, honesta e dinâmica, a má fama ainda é mais forte e difícil de ser destruída.

Referências Bibliográficas

ALMEIDA, José. Linha do tempo na História de Itabaiana. Panfleto partidário da campanha para a câmara de vereadores de Itabaiana, 2004, p. 2;
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. v. 5. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985;
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand, 1989;
CARVALHO, Alberto de. Aspectos antropológicos dos itabaianenses. Vão livro. Aracaju: CEAV-UFS; Secretaria da Cultura do Estado de Sergipe, 1996. p. 73-80;
CARVALHO, Vladimir Souza. Santas almas de Itabaiana grande. Itabaiana: edições O SERRANO, 1973;
_________. A República Velha em Itabaiana. Aracajú: Fundação Oviedo Teixeira, 2000, p. 23 – 39; 363 – 394;
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, USP, v.5, n.11, jan./abr. 1991.
DANTAS, Ibarê. Coronelismo e dominação. Aracajú: UFS, PROEX, CECAC, 1987, p.45 – 110;
DURAND, Gilbert. A imaginação simbólica. São Paulo: Cultrix, 1988.
FIGUEIREDO, Ariosvaldo. História política de Sergipe. Vol. 1. Aracaju: Soc. Editorial de Sergipe, 1986, p. 89-113;
FREIRE, Felisbelo. História de Sergipe (1575-1845).  Rio de Janeiro: Typ. Perseverança, 1891, p 60-68 e 391-412;
LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Monografia histórica do município de Itabaiana. Revista Trimestral do Instituto Histórico e Geográfico Sergipano, Aracaju, ano II, Vol. II, 1914, p. 128-149;
__________. Capitães-mores de Sergipe (1590-1820). Aracajú: SEGRASE, 1985. p, 83-88;
MAFFESOLI, Michel. O imaginário é uma realidade. Revista Famecos, Porto Alegre, n.15, ago. 2001.
CINFORM MUNICÍPIOS. Aracaju: s/d., 2002. p. 104;
MOTT, Luis R.B. A inquisição em Sergipe. Aracaju: FUNDESC, 1989, p.82-83;
NUNES, Maria Thetis. Sergipe colonial I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro / UFS, 1985, p. 43-69; p. 195-206;
________. Sergipe provincial II (1840/1889). Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; Aracajú: BANESE, 2006. p. 125-126; p. 110-114;
PATLAGEAN, Evelyne. A História do imaginário. In: LE GOFF, Jacques (org.) A História Nova. Trad. Eduardo Brandão. 4 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p. 291-315.
PEIXOTO, Afrânio. Psico-patologia forense. RJ/SP/BA: Francisco Alves e Cia; Paris/Lisboa: Aillaud, Alves e Cia, 1916, p. 72;
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Em busca de uma outra História: imaginando o imaginário. Revista Brasileira de História, São Paulo, v.15, n.29, 1995.
SANTOS, Antônio Carlos dos. Itabaiana: entre a atividade comercial e as paixões políticas. IN: CADERNOS UFS – HISTÓRIA, São Cristóvão, V.4, Nº.5, 2003, p.23 – 42;
SANTOS, Maria Nele. A vila de Itabaiana no século XIX. Campinas, 1984. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.
SANTOS, Pedrinho dos. A pena de morte em Sergipe. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Nº 33, vol. 28, 2002, p. 175-197;
SEBRÃO, Sobrinho. Fragmentos de histórias municipais e outras histórias. Org: CARVALHO, Vladimir Souza. Aracajú: Instituto Luis Barreto Júnior, 2003, p. 239-297;
SERGIPE, Governador (1851). Relatório do presidente de província Amâncio João Pereira de Andrade em 11/01/1851. Tipografia Provincial, p. 4.
SOUZA, Antônio Lindvaldo. “Além das fronteiras existem mulheres bonitas, cavalos bons e gente rica...”. A violência na fronteira do agreste de Itabaiana. IN: CADERNOS UFS – HISTÓRIA, São Cristóvão, V.4, Nº 5, 2003, p.69– 91;
________. Um porta-voz da romanização no catolicismo brasileiro: silêncios e conflitos na administração de D. José Tomás na diocese de Aracajú (1911-1917). São Paulo, 2005. p. 14-53. Tese (Doutorado em História) – UNESP;
TORRES, Acrísio. Sergipe / crimes políticos, I.Brasília: thesaurus, 1999;
WYNNE, Pires. História de Sergipe 1575-1930. Rio de Janeiro: pongetti, 1970, p.53-62.


Chegança Santa Cruz de Itabaiana no XXXV Encontro Cultural de Laranjeiras

 
Foto: Wanderlei Menezes

 
Foto: Wanderlei Menezes

domingo, 24 de janeiro de 2010

Oliveira Teles e a Lenda de origem da Serra de Itabaiana



Itabayana

I
Ita, collis; aba, vir,
humo; oane, nune.


Esta pequena patria de montanhas
E’ um pequeno berço effervescente
De vagueiantes lendas. Cada gruta,
Cada alcantil erguido sobre a serra,
Cada bocca de matta anoitecida,
Cada retiro e cada solidão,
E’ no estylo natural e conciso,
Do pintor invisivel bello quadro,
Excelsa tela de magias raras,
*
* *
De perto, observei suas grandezas.
De dia, em pleno sol que a luz refrange,
E’ grato projectar a luz dos olhos
Pela extensão dos grandes descampados.
Quanta surpreza então! A natureza

Toma a feição de garrula cigana;
Não veste andrajos, mas ostenta galas;
Não traduz o futuro, antes o esconde,
E obriga o pensamento a perseguil-o,
Sem rumo o norte, fatigado a busca
Do recavado golfo dos meus mimos.
*
* *
Do pôr-do-sol em deante tudo esplende
No próprio véo das sombras desdobrado
Manso gotteja o rocio nocturno
Do enxovalhado manto da amplidão.
Myriadas de estrellas scintillando
Da via - láctea o assento desmaiado
Accendem com fulgor, que se compara
A um lagarto de fogo faiscante.
Errantes virações de quando em quando
Passam, perpassam. Cada mouta escura,
Aos olhos de um grego apaixonado
Abrigaria a dryade travessa.
A saltar pelos ramos consagrados.

A hora vem do mais festivo baile
Dos sêres encantados das florestas;
Pois anoitece: - a hora dos mysterios
E das saudades fundas, penetrantes.
Quem amores não sente, quando a noite
Se inclina de lá da immensidade!
Quantos hymnos de amor ella me inspira!
Quanto puro ideal commigo assiste!
Noite, noite de amor, és doce enlevo,
Mensageira fiel da solidão!
*
* *
Tu, Musa do Brasil, não me abandones
Mergulha meu pincel nas cores vivas
Do bello e do sublime. O pensamento
Que educo, de gravar em pobres versos
Õ nome desta patria que idolatro,
Corra espontâneo, livre, alevantado.
Monumento de luxo e de opulência
Não me concede o ingenho solitario.
Corram pareo com a voz do entendimento
As effusões desta alma generosa;
Que sergipano eu sou: amo Sergipe.
Com ella gemo e soffro a desventura
Que lhe pesa na sorte aventureira.
*
* *
Farta de seiva, a poesia errante
Pode aqui germinar novos productos,
Capazes de cortar o curso às causas,
Que passam no silêncio extravagante.
De um viver de esponja indifferente
Muito de adoro, ó ninho perfumado!
Patria dos coqueirais de palmas langues,
Das bromélias gentis e das begonias,
Da baunilha, dos cedros seculares,
Neste meu peito a extravasar tristezas
O mais caro recanto inteira accupas.
E’ o mais querido albergue de minha alma;
Estância derradeira onde a alegria
Costuma às vezes sacudir as azas
De aurorais effluvios iriadas;
Mas como o puro amor ahi habita,
Ahi, ó pátria, assignalei teu nome.
*
* *
Aurea estrella gentil que se condensa
Em fogacho de bellas esperanças;
Tu que me prendes a um porvir fulgente;
Renovando nos teus meus pobres dias;
Visão que me seduz, porem tangível.
Minha estrela polar, meu torrão de ouro
Minha riqueza, meu cuidado e enlevo;
A terra onde nasci que não me é dado
Dos rapaces salvar, que a degradaram.
E’ o único legado que te deixo.
Em Sergipe nasceste, Garcilazo
Compromisso solemne contrahindo,
Força e talento empenharás por ella.
Como Hamnibal, aos pés dos meus altares,
Nunca vingança, meu amor e affecto
Por teu Sergipe jurarás contente.

II

Na vasta região embalsamada
Por candeiaes de aromas exquisitos;
Que vae em parallelo a toda a costa;
Onde vinga o cotão de flores laureas,
E’ que fica o planalto sorridente
De Itabaiana. Vem da serra o nome.
*
* *
Que bella região! Paiz de fadas!
De tudo quanto è murmur no unixerso
_ Desde a voz da insecto á voz das auroras_
Alli existe um exemplar sublime.
E da orchesta que ensaia o bando alado
Nenhuma nota voa que não fira
No coração delícias inffaveis.
Aos olhos surgem maravilhas
Quaes cambiantes vistas subtaneas,
Phosphorecentes. As neblinas mansas
Os dias de verão e as invernadas,

Tudo é grande motivo sublimado
Pra emover a alma do poeta.
Outras vezes da serra sobre a grimpa
Bem perto, extranha laz irradiando,
Aos insultos do sol em pleno dia,
Ou do frouxo luar á luz pallente,
Vem tremulando clara projectar-se
Pelos telhados da cidade antiga.
*
* *
A lenda popular, que não discute,
Imaginou a historia inverosimil
De um novilho lá encantado na serra.
Por ventura reflecte inconciente
Os labores ruraes dos habitantes,
Que vivem a lavrar as férteis terras,
Que circumda a galharda serrania.
A rica musa popular fecunda,
Que distribui canções e forma lendas
Ãs mil dilatações da alma do povo,
_Ou sejam tranzes de agonia extrema,

Ou sejam rosas do viver tranquillo,
Ou sejam madrigais ou ironias_,
Em cada estrophe reproduz artista.
Magico espelho, reproduz a imagem
Do operario senil, - o povo rude.
*
* *

Ditosa Itabayana! Em teu regaço
Fulgem faúlhas da passagem brusca
De Tobias Barretto de Menezes!
Foi em ti que rugiu o leão rude.
Rugiu... Cada um era um poema,
Condensação de rutilas estrellas,
Que o patrio genio traduzia em verso.
Salve, terra gentil dos candeaes!
Que outras victorias não contando, excepto
Õ annel das lendas que te cinge a sorte,
Basta a augusta lembrança enaltecida
De alimentares em teu seio agreste
Todos os rasgos do gigante enorme,
Em tudo grande, desgraçado em dita,
Do generoso, infeliz Tobias.
*
* *
Vamos, meu estro. Com a lyra em punho
Ferindo notas expressivas, bellas,
Nesta lingua que fallo, que menino
Bebi há haustos do materno leite,
Celebrarei um drama original.
Deriva das origens afastadas;
E’ como ellas, ideial, ethereo.

III

Era um índio... Nem sei que nome tinha.
Não cogita do nome a poetiza,
A trovadora errante, que reside
Onde quer que a razão indifferente
Desattende ao labor do sentimento,
Era um indio, dizia, um potentado,
Terror das selvas todas, pois mandava
Sol e chuva naquelle tempo.
*
* *
Outro indio, não longe, dominava;
Também soberbo e mau, mas alquebrado,
Já farto de viver, no fim da edade;
Não velho a caducar, porem já velho,
De longa experíencia torturado.
Mais feliz que o rival, tinha uma filha;
Mais infeliz do que elle mais cuidados.
A indiana, na flor da mocidade,
De sazonados seios requeimados.
Fazia entontecer cada guerreiro.
*
* *
O caboclo rival do velho chefe
Era índio potente, musculoso.
Fanfarronava luctas e batalhas;
Na vil cabeça a intenção ardia
De exterminar o indio legendario.
Era Miaba a um tempo premio e causa
Para dar fogo ao odio inveterado;
Pois a bella Miaba era insensivel
Aos protestos do indio apaixonado.
*
* *
Era uma vez em um soito sombreado
Elle a vio e fitou contemplativo.
Era tão bella! Tão morena e linda!
Ella ria com o rir das trepadeiras,
Com os olhos no céo, em doce enlevo.
Formosa era a deveza. Dir-se-hia
Pequena ilha perfumada e fresca
Onde se erguia ao ceo ativo e nobre,
Como vivo attestado das edades,
Gigante vegetal, cedendo ao enleio
De uma latada a lhe enfeitar a fronde,
De maracujá, roxeadas flores.
Pequena ilha perfumada e fresca
Onde se erguia ao céo altivo e nobre,
Como vivo attestado das edades,
Gigante vegetal, cedendo ao enleio
Deu uma latada a lhe enfeitar a fronde,
De maracujá, roxeadas flores.
Uma brisa macia leve afflando
As moutas sacudia. Doce chuva
De petalas agrestes derramava
Sobre a moça indiana, que scismava.
*
* *
Elle a vio e tremeu. Era essa a hora
Em que a lua não tem o clarão frouxo
Que, anoitecendo, espalha pelo mundo.
Era prata tal qual. Já na aurora
As barras da manhã tingiam nuvens
De côr de rosa, annunciando o dia.
A harmonia das aves começava
E o brando ciciar das auroras mansas.

*
* *
E de outra vez á beira de um arroio
Em scismas se embebia a americana.
Era ao cahir da noite: hora de enlevo,
Mas tambem de tristeza cruciante,
Que mais se gosa quanto mais se chora.
E bem sabeis que vagos, dulçurosos
Pensamentos de dor no ermo assomam,
Quando a sós taciturnos meditamos.
A queda duma folha gera assombro.
Vae na queda da folha uma esper’ança murcha.
O inquieto olhar vagueia errante
Na funda solidão, onde esgueirados
Passam figuras vãs, sinistros vultos.

V

Figurae-vos, leitor, num desses dias
De tardes orvalhadas de saudades
A’ beira dum regato, ao pé da serra.
Com o sol, que expira, se evapora o riso;
Sobem com a noite as illusões do medo;
Da selva inteira lá negreja o seio.
Vereis tudo fugir a pouco e pouco.
Amores, ideiaes, risos, encantos,
Vereis do abysmo na garganta escura
Sumir-se: que não vale amor nem crença,
Quando o espectro do medo o peito esfria.
*
* *
No palpitante coração da virgem
E’ possível que a dor também penetre?
A vida da donzella é um preludio,
E’ raio festival de sol nascente.
Sonhos, risos, amores, _ eis a virgem.
Onde ha riso de moça, ha mar de anhelos.
Mas ai flores! Visões! Ai vãs chimeras!
E’ o dia o riso e a dor é a noite:
Eis pois da vida a dura alternativa.
Uma vida sem lagrymas ardentes
E’ como uma donzella sem amores.
*
* *
Por isso é bom viver emquanto a morte,
Esta visinha má, que anda em viagem
Pela existencia afora de qualquer parte,
Não da nenhum signal de que é chegada.
Amemos. O amor não é só contacto
De carne contra carne ou beijo impuro;
Porem norma do bem, como ideal.
A morte, quando vem, não manda avisos;
Não tarda no caminho: é prompta e breve.
Mas no drama da vida as scenas passam
Com rapidez fatal, que assim resolve
Os difficeis problemas da agonia.

V

Scismava a pobre virgem sertaneja,
Immergindo no fundo do ignoto
O vacillante pensamento incerto.
Como enorme morcego, pelos montes
Vae agitando a noite azas de sombras,
Triunphantes da luz que vae morrendo.
Aproveitando o estridular dos grillos,
Typo de homem vem, quebrando ramas,
E’ de um só pulo se apresenta á virgem.
*
* *

Quiz a moça fugir, era já tarde.
Só lhe restáva resistir á fúria
Do cacique que ardia pelo goso.
Não de outra sorte a alimentaria bruta,
Abrazada no fogo da lascivia,
Rosna, babando, sexual deleite.
A’ femea accorre, lambe-a; retrocede.
E avança de novo tiritante,
Na feroz expansão desenfreiada
Do instincto genesico indomado
A forma o animal quasi transmuda.
O pello vestical é como selva
De espiheiral desnudo da folhagem.
Continua a avançar ardendo em cio
Que lhe referve no esquentado sangue.
Mas é certa a repulsa. O amor desanda
Longe da fera em lucta pelo goso.
A natureza indifferente, crua,
Relucta em não unir, talvez cedendo
Do genio da especie ás exigencias.
Era assim o cacique. Em torvo offego
As ventas dilatando, porecia,
Certo da posse da mulher amada,
Com rancor desprezar os céos e a terra.
Miaba era indomavel no desprezo,
Fria de mais para um guerreiro altivo.
Quando encarou naquella solidão
Ao pé de si um homem repellente,
Cheio da mesquinha gana esqualida
Do impecto carnal apaixonado,
Teve medo, tremeu; tremeu convulsa;
Da propria fraqueza armando a força
Para bem longe o reppellio irada.

*
* *

Houve um instante mudo, mas terrível.
Mas o selvagem não reflecte muito.
Demais era senhor do ermo e della,
Nessa hora feliz, cevando raivas,
Prazer e odio saciava á farta.
Oh! A negaça accelerou-lhe o fogo.
Como treme o assassino, se nas faces
Embotadas do crime, castigadas
Pelas lívidas cores do remorso,
Horrenda bofetada accende a raiva
E mais um crime arranca do recanto
Do petreo coração, elle tremia.
Do incendio feroz, agigantado
Na alma lhe bate a labareda em cheio;
Bem como á face lisa dum espelho
A luz do sol resvala de repente.
*
* *

Enfim, muito mais poude a ebriedade.
Foi-se o cacique em tedios devorados,
Tedios do goso, que succedem logo.
Chora Miaba a ingratidão da sorte.
O riacho a rolar sobre pedrinhas
Imitava os soluços de Miaba.
Mas nem toda desgraça vem isempta
De consolação. Nas águas presto
Bello jurão ergeu-se confortavel,
Na taba de seu pae não mais foi vista.
*
* *
Então dizem que déra á luz, ao cabo
De nove meses de crueis tormentos,
Uma formosa explendida menina,
Que trouxe a sorte de viver nas fontes,
Nas águas claras, nos ribeiros limpos.
Ainda hoje à volta onde gênios
O rude palaffita construiram,
E’ appellidada Poço da Mãe da Agua.

VI
Mas do cacique a sorte desandando
Deu-lhe trágico fim a soberbia;
Mas nem tão deplorável, que mais tarde
Não cingisse-a a singlla poesia
De clarões e luares deslumbrantes:
Que as cousas longinquas, afastadas
No tempo e no lugar, sempre irradiam
Suave luz que encanta e bruxolea.
O mytho é um luar da antiguidade.
*
* *

Referem que Tupan na terra andando
Ouviu narrar o episodio triste
Da formosa Miaba. Inconsolavel
Chorou Tupan de pena. Um Deus chorando
Importa um turbilhão de ruinarias
Na mole universal. Os pólos tremem;
Estremecendo ruem as montanhas;
Emquanto os mares agitados fervem
Com furor acoutando a immensidade.
Pois foi o que se deu quando Tupan
Chorou com pena a sorte de Miaba.
*
* *
E revestindo a forma veneranda
De peregrino piaga, lacerado
Das pedras do caminho, foi á taba
Do orgulhoso cacique. Emfurecido,
Arrogante, quebrando a lei antiga,
A sancta lei de hospitalidade,
Nunca farto de guerra, avesso á paz,
O velho injuriou com requintada,
Com alvar e feroz descortesia.
Negou-lhe água da fonte crystallina;
Negou-lhe caça morta, havia pouco;
Negou-lhe amiga rêde de repouso.

*
* *
Então do velho a forma vae mudando
Pouco a pouco. Rebentam novas cores
E traços novos. Foge-lhe a figura
Com que appareceu: é uma ave bella,
Um lindo papagaio, que voeja
E vae pousar na arvore mais alta,
Que em roda existia. Então terrível
De lá pragueja maldições tremendas:
_ Olha o justo castigo que mereces,
Orgulhoso cacique, que imprudente
A Tupan recusastes os dons da vida;
_ Os raios de Tupan te firam na alma,
Immovel ficarás mudado em serra;
Para sempre serás Itabayana
E quando as gerações passarem junto
Ao logar onde foi a tua choça,
Tranzidas de tristeza lacerante,
Apontarão para a alterosa serra,
Exclamando: Alli esta Itabayana!...

VII

Pouco depois as nuvens se inflammaram
E fulminante raio atravessara
O cacique a tremer. No mesmo instante
Solta um grito de dor; mas já sem forças
Rodou três vezes, baqueiou o chão.
Contorce-se nas pedras moribundo;
De cada braço e perna ergueu-se um monte,
E a cordilheira surge de um só homem.

VIII

A ígnea língua lhe escavou no peito
Lethal cratera, que extravasa o sangue;
O qual, rumo do sul, seguindo em curva
Trajectoria, como um arco-irys,
Cahiu mui longe, de outra serra ao pé
E a terra ensopou
; de onde mais tarde
Mananciais e fontes se rasgaram.
*
* *
O sangue que esguichara da ferida
Chamou-se Cotinguiba. Inda hoje corre...

S. Christovam, 1891.
M. P. Oliveira Telles