Para Beatriz Góis Dantas, que é uma estudiosa da cultura popular
sergipana, a busca das origens tem sido uma das vertentes interpretativas mais
frequentes nos estudos do Folclore tentando filiar traços culturais às
diferentes etnias que entraram na composição do povo brasileiro.
A cultura popular sergipana é carente de estudos aprofundados e da
participação política, no sentido de incentivar as pesquisas sobre esta para
que não venha a cair no esquecimento da memória social, pois as velhas
identidades que por muito tempo estabilizaram o mundo social, estão em
declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno
antes visto como um sujeito unificado. As atividades modernas estão sendo
“descentradas”, ou seja, deslocadas ou fragmentadas. Como agravante dessa
descentralização, a cultura nacional contribui para criar padrões de
alfabetização universais que favorecem para que as culturas populares percam
suas características ao longo do tempo.
Marcos Ayala e Maria Ignez Novais
Ayala, partindo do ponto de vista de vários estudiosos da cultura popular
brasileira, salientam quanto à concepção de que a cultura popular é rústica,
ingênua e algo primitivo. Além disso, há a preocupação do registro das
manifestações para evitar o desaparecimento, já que as obras do passado são de
fundamental importância para a sobrevivência das culturas e servem para a
análise e o estudo posteriores desta. Segundo os autores, há uma hegemonia
étnica nos grupos culturais brasileiros, demonstrando a identidade típica de um
país influenciado por diferentes nações.
Para Antônio Augusto Arantes, o assunto cultura popular causa mal-estar
em muitos intelectuais pelo fato de essa noção ter servido a interesses
políticos populistas e paternalistas, tanto de direita quanto de esquerda. Há
ainda, segundo o autor, uma visão deturpada sobre o “popular” que trata o
“fazer” separado do “saber”, ou seja, a cultura popular como característica das
camadas populares mais pobres.
Na concepção de Carlos Rodrigues Brandão, a cultura popular é assim,
justamente porque há nisso um forte e dinâmico teor de resistência política às
inovações impostas pelo colonizador ou pelas classes dominantes. O conteúdo e a
forma tradicionais dos modos de “sentir”, pensar e “agir” do índio, do povo
colonizado da comunidade camponesa são uma forma de resistir a padrões
equivalentes, modernos e incorporados à força como instrumentos de dominação
através da distribuição de valores próprios de cultura.
Mundicarmo Ferretti, em seus estudos sobre “Folclore e Sociedade”,
expressa que a dinâmica do folclore tem a ver com as alterações políticas e
econômicas da sociedade e que, os que consideram o folclore um fruto da pobreza
e da ignorância, geralmente acreditam que ele deve desaparecer com a redução
das desigualdades sociais e com a revolução socialista, e que não deve merecer
atenção das vanguardas políticas. Contudo, se folclore é tradição, sua mudança
precisa ser realizada de modo que não comprometa sua própria existência e não
pode ser ditada pela moda. Por outro lado, sua valorização deve apoiar-se mais
na correspondência profunda que existe entre ele e a sociedade que o produziu
(em termos de gosto e visão de mundo) e na consciência de que ele é parte do
seu patrimônio cultural e, como tal, deve ser por ela preservado.
Ciente das transformações que as culturas sofrem de geração a geração,
percebemos um quadro preocupante na manutenção destas, pois uma sociedade que
não se reconhece está fadada à perda de sua identidade e ao enfraquecimento de
seus valores mais intrínsecos. O envolvimento da sociedade no processo de
fortalecimento de uma cultura é fundamental para a construção de uma opinião
consciente e ativa na evolução de sua cidadania.
Para Aglaé D’Ávila Fontes de Alencar, a aplicação do folclore na educação
representa para nós, uma forma de integrar a cultura da região à prática
pedagógica, fornecendo material para o funcionamento de um verdadeiro
laboratório educacional, na qual as ações ajudam a eliminar as nossas omissões
em relação à cultura popular. Educadores, pesquisadores, escritores, poetas,
estudiosos do folclore, constituem-se por si só, elementos estimulativos para
gerar a força necessária à reflexão, à crítica e a análise, levando por certo
ao surgimento cristalino da conclusão. Ao lado desse valor caminha outro: o de
fazer chegar a todos, não só o clamor da angústia, mas a presença enriquecedora
da esperança. Um é sequência do outro na busca da sensibilidade que leva à
mudança.
Refletindo sobre a nossa sociedade, sobressai a esse respeito, a
desvalorização das manifestações culturais e, ao recorrermos ao pensamento de
Paulo Freire, entendemos que só uma “alfabetização cultural” que capacite o
educando a compreender sua identidade cultural e a se reconhecer, de forma
consciente, em seus valores próprios, em sua memória pessoal e coletiva. Ainda
segundo nosso pensador, “a criticidade e as finalidades que se acham nas
relações entre os seres humanos e o mundo implicam em que estas relações se dão
com um espaço que não é apenas físico, mas histórico e cultural. Para os seres
humanos, o aqui e o ali envolvem sempre um agora, um antes e um depois. Desta
forma, as relações entre os seres humanos e o mundo são em si históricas, como
históricos são os seres humanos, que não apenas fazem a história deste mútuo
fazer mas, consequentemente, contam a história deste mútuo fazer”.
Segundo Stuart Hall, apenas quando a cultura nacional e as identidades
nacionais forem respondidas, se são realmente tão unificadas e tão homogêneas
como representam ser, respectivamente, é que poderemos considerar adequadamente
os argumentos de que as identidades nacionais foram uma vez centradas,
coerentes e inteiras, mas que estão sendo deslocadas pelos processos de
globalização. Argumenta ainda que, as características temporais e espaciais que
resultam na compreensão de distância e de escalas temporais, são aspectos
importantes da globalização sobre as identidades culturais. Com a globalização,
as identidades sofrem três consequências: se desintegram com a crescente
homogeneização cultural; as identidades nacionais, “locais” ou particularistas
estão sendo reforçadas pela resistência à globalização; as identidades
nacionais estão em declínio, mais novas identidades – híbridas – estão tomando
seu lugar.
As identidades nacionais permanecem fortes, especialmente com respeito a
coisas como direitos legais e de cidadania, mas as identidades locais,
regionais e comunitárias têm se tornado mais importantes. Colocadas acima do
nível da cultura nacional, as identidades “globais” começam a deslocar e,
algumas vezes, a apagar, as identidades nacionais.
O Brasil é um país pluricultural e deve esta característica ao conjunto
de etnias que oformaram e à extensão de seu território. Estas diversidades
culturais regionais contribuem para formação da identidade brasileira,
incorporando-se ao processo de formação do indivíduo, e permitindo-lhe
reconhecer o passado, compreender o presente e agir sobre ele. Reforçando esse
pensamento, Arantes afirma que, essa diversidade, que se desenvolve em
processos históricos múltiplos, é o lugar privilegiado da “cultura” uma vez
que, sendo em grande medida arbitrária e convencional, ela constitui os
diversos núcleos de identidade dos vários agrupamentos humanos, ao mesmo tempo
que os diferencia uns dos outros. Pertencer a um grupo social implica,
basicamente, em compartilhar um modo específico de comportar-se em relação aos
outros homens e à natureza.
Partindo do pressuposto de que a cultura popular também faz parte de uma
vertente política, se faz necessário que os órgãos públicos elaborem ações no
sentido de resgatar e preservar os folguedos, as danças, os rituais, os mitos,
lendas em fim, tudo aquilo que é considerado patrimônio cultural de um povo
para que haja uma continuidade destes para gerações e que, se houver influência
dos meios externos, que estes não sejam descaracterizados em sua totalidade.
Como observa Itaqui, a cultura é um espaço privilegiado que nos permite, de forma
crítica, trabalhar nos contrastes, nas diferenças para possibilitar aos
sujeitos desse processo rever-se, e nesses espelhos se entenderem individual e
coletivamente. A política cultural é sempre um ato de iluminação, de
transformação. Não é um processo de contemplação ou de afirmação de uma
situação dada, mas de enfrentamento: é a criação de espaços sociais de
construção de cidadania, de participação, de libertação.
Neste sentido, Marcos Ayala e Maria Ignez Novais Ayala, enfatizam que a
diferença de posição dos diferentes grupos sociais na estrutura de classes
implica a existência de concepções de mundo que se contrapõem. Analisam ainda
que a cultura popular tanto veicula os pontos de vista e interesses das classes
subalternas, numa perspectiva de crítica à dominação, mais ou menos consciente,
quanto internaliza os pontos de vista e interesses das classes dominantes,
legitimando a desigualdade existente.
Sabemos que a
ideia de produção e preservação de uma cultura se conecta ao seu conhecimento e
ao seu uso social, ou seja, é preciso que os folguedos sejam mais expressivos e
mais divulgados pelos seus responsáveis para que as novas gerações tenham
conhecimento destes e passem a vê-los e a interpretá-los como uma continuidade,
uma herança de seus antepassados. Assim, não cabe mais analisar as práticas
culturais populares como sobrevivências do passado no presente, pois,
independentemente de suas origens, mais remotas ou mais recentes, mais próximas
ou mais distantes geograficamente, elas se reproduzem e atuam como parte de um
processo histórico e social que lhe dá sentido no presente, que as transforma e
faz com que ganhem novos significados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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que é Folclore. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. p. 40.
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FERRETTI, Mundicarmo. Folclore e
Sociedade. In: Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do
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para a Liberdade e outros escritos.
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ITAQUI, José. Educação
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