Neste texto, apresentaremos uma visão geral dos folguedos no Estado de
Sergipe, especificamente a Chegança, sobretudo enfocando a Chegança
Santa Cruz de Itabaiana-SE, numa perspectiva histórica de
preservação e manutenção desta como símbolo da identidade local.
Sabemos da carência de estudos que nos remeta a conhecer nossas
tradições que vêm sendo transmitidas através de sucessivas
gerações, sempre se renovando e se recriando, num processo vivo e
dinâmico, propiciando à nação a possibilidade de construir sua
própria identidade
Sem uma tradição, uma coletividade pode viver ordenadamente, mas
não tem consciência do seu estilo de vida. E ter consciência é
poder ser socializado, isto é, é se situar diante de uma lógica de
inclusões necessárias e exclusões fundamentais, num exaustivo e
muitas vezes dramático diálogo entre o que nós somos (ou
queremos ser) e aquilo que os outros são e, logicamente, nós não
devemos ser.1
No ano de 1878, os ingleses, fundaram em Londres a Sociedade de
Folclore, consideravam como objeto dos seus estudos as narrativas
tradicionais (mitos, lendas, cantos populares), os costumes
tradicionais (celebrações cerimoniais populares), sistemas
populares de crenças e supertições (ligadas à vida e ao
trabalho), sistemas e formas populares de linguagem (ditos e frases
feitas). No Brasil, a maneira de se compreender o folclore é um
tanto polêmico, por um lado, estende o folclore à cultura
primitiva, aos mitos, lendas e cantos; por outro lado, como uma
disciplina diferenciada de uma ciência, a Antropologia e não como
ciência autônoma.2
Em Sergipe, o interesse maior em conhecer a nossa história, a
geografia, a literatura e a cultura popular começou no início do
século XX. O Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe
estimulava estes estudos e em 1942, propôs a realização do I
Congresso de História e Geografia de Sergipe. Este movimento
continuou nos anos 1950 e até aumentou com a criação do Movimento
Cultural de Sergipe (que teve como criador José Augusto Garcez) que
publicou livros de autores sergipanos e descobriu novos escritores.
Ao mesmo tempo, a Sociedade de Cultura Artística de Sergipe trazia
para o teatro Ateneu recentemente inaugurado, artistas famosos, do
Brasil e do estrangeiro. Mas deste movimento cultural, que acontecia
principalmente em Aracaju, pouca gente participava, pois a maior
parte da população continuava fora da escola e o analfabetismo
entre os adultos era enorme. Esta década foi muito importante na
história da luta pela educação. 3
A historiografia sergipana apresenta uma escassez de registros e
pesquisas sobre as tradições populares, apesar de “em todas as
manifestações da vida, já o dissemos, tem Sergipe lugar de
destaque, qualquer que seja o empreendimento humano que se lhe
aponte”. No entanto, o que se percebe é a desvalorização e o
desconhecimento das manifestações artístico-populares. 4
Em geral, o que existe como fonte de pesquisa são coletâneas que
tratam resumidamente os aspectos dos diversos folguedos do nosso
Estado. Um exemplo é a “Revista Sergipana de Folclore”,
organizada pela Comissão Sergipana de Folclore, que teve seu
primeiro número lançado paralelo ao I Encontro Cultural de
Laranjeiras, em agosto de 1976. No livro são tratados rituais
folclóricos da festa de São Benedito, a Taieira, a Chegança, o
Cacumbi e a Dança de São Gonçalo, porém de modo sintetizado.5
O I Encontro Cultural de Laranjeiras reuniu representantes de
Pernambuco, Bahia, Alagoas, Rio de Janeiro, São Paulo, e
naturalmente grande participação de Sergipe. O Encontro envolveu
diversos municípios, registrando-se a presença de numerosos grupos
folclóricos, nos desfiles; Chegança e Zabumba, de Lagarto, São
Gonçalo, de Pinhão; Guerreiro, de Aracaju; São Gonçalo, Taieira e
Cacumbi, de Laranjeiras; Chegança, de Itabaiana, Reisado, de Siriri;
Candomblé, de Aracaju; Guerreiro e Samba de Coco, de Nossa Senhora
do Socorro; Guerreiro, de Riachuelo; Batalhão e Samba de roda, de
Carmópolis; Cacumbi e Maracatu, de Japaratuba. E também violeiros,
emboladores de coco e poetas populares.6
O projeto elaborado para o I Encontro indicava: estudar as
manifestações da cultura popular no Estado; promover as
apresentações de grupos; proteger a organização de grupos em
função dos Centros regionais de folclore; discutir, em alto nível,
as questões fundamentais da cultura popular; fomentar o intercâmbio
intermunicipal de grupos; valorizar a criação popular, em todos os
níveis. Desde 1976, estudiosos e pesquisadores dos diversos pontos
do Brasil reúnem-se para estudar, interpretar, contribuir para a
valorização de nossa cultura popular. O que nos leva a perceber que
tais objetivos permanecem atuais, porque são princípios assentados
na realidade social, na dinâmica cultural, na evolução da própria
sociedade. O olhar tem as suas maneiras de ver influenciadas e até
determinadas pela dinâmica social. Tais objetivos firmaram-se pelo
seu acerto, pela identificação com as peculiaridades culturais do
país e continua a constituir o caminho por onde passam as nossas
preocupações, o nosso interesse, o nosso reconhecimento dos valores
de nossa cultura popular.7
Há uma produção de Beatriz Góis Dantas intitulada “Cadernos de
Folclore” que trata das principais manifestações culturais de
Sergipe, abordando cada uma individualmente. De modo específico, no
“Cadernos de Folclore nº 14”, a autora apresenta uma visão
geral da Chegança, a partir dos dados colhidos em duas cidades
sergipanas: Lagarto e Laranjeiras. Nesta obra são abordados as
características do folguedo enfatizando suas partes constitutivas,
personagens, trajes, instrumentos musicais, coreografia, etc. Segundo
a autora, a Chegança, a exemplo de outros folguedos, transmite não
só um modo de crenças, mas também uma mensagem de legitimação
social.8
Percebe-se que essa falta de registro constitui-se como uma lacuna em
nossa historiografia e apresenta-se como um ponto negativo, pois
segundo Antônio Augusto Arantes, “é justamente manipulando
repertório de fragmentos de ‘coisas populares’ que, em muitas
sociedades, inclusive a nossa, expressa-se e reafirma-se
simbolicamente a identidade da nação como um todo ou, quando muito,
das regiões, encobrindo a diversidade e as desigualdades sociais
efetivamente existentes no seu interior”.9
Certamente, esses
fragmentos compõem a cultura de um povo, uma vez que cada grupo
social se divide pela crença, ideologia e interesses. Isso porque as
manifestações populares herdadas de gerações passadas sofrem
influência das novas gerações que as interpreta, representa e
recria os objetos, as concepções e práticas dando-lhes uma nova
roupagem, o que constitui a expressão social de um determinado
grupo.
Notas do artigo
1
DAMATTA, Roberto. Relativizando: uma introdução à
antropologia social. Rio de Janeiro: Rocco, 1987. p. 48.
2
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O que é Folclore. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1982. p. 28-30.
3
OLIVA, Terezinha Alves de e SANTOS, Lenalda Andrade. Para
Conhecer a História de Sergipe. Aracaju: Opção Gráfica,
1998. p.98-99.
4
SILVA, Clodomir de Souza e. Álbum de Sergipe: 1820-1920.
Aracaju, 24/10/1920. (Ementa).
5
COMISSÃO SERGIPANA DE FOLCLORE. Revista Sergipana de Folclore.
N. 1, ano 1. Aracaju, Agosto de 1976.
6
NASCIMENTO, Bráulio do. Os encontros culturais de Laranjeiras.In:
Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado
de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 13-15.
7
NASCIMENTO, Bráulio do. Os encontros culturais de Laranjeiras. In:
Encontro Cultural de Laranjeiras 20 anos. Governo do Estado
de Sergipe: Secretaria Especial da Cultura, 1994. p. 11-13.
8
DANTAS, Beatriz Góis. Cadernos de Folclore nº 14: Chegança.
Rio de Janeiro: s/ed., 1985. p. 11.
9
ARANTES, Antônio Augusto. O que é Cultura. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1981. p. 15.