Primeiramente, é importante compreendermos o que vem a ser (ou o que pode ser) patrimônio cultural imaterial. Nas últimas décadas do século XX, o patrimônio cultural passou a se concebido para além dos bens materiais. Os estudiosos observaram que os bens culturais imateriais também são portadores de referência à memória e identidade cultural de um povo e, na maioria das vezes, representam muito mais determinadas comunidades que edificações de “pedra e cal”. A convenção para salvaguarda do patrimônio cultural imaterial (2003), realizada em Paris, definiu o patrimônio cultural imaterial como compreendendo os usos, representações, expressões, conhecimentos e técnicas, junto aos instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais que lhes são inerentes, que os grupos e em alguns casos, os indivíduos reconheçam como parte de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial é recriado constantemente pelas comunidades, grupos e indivíduos em função de seu meio ambiente (entorno), sua interação com a natureza e sua história, gerando um sentido (sentimento) de identidade e continuidade, contribuindo para a formação da diversidade cultural.
Ao que tudo indica, a expressão papa-cebola remota os tempos
imperiais. Em meados do século XIX, as principais feiras de Sergipe
estavam concentradas na região do Cotinguiba. O itabaianense
comercializava nas ricas regiões dos canaviais por não ter aqui um
centro comercial estruturado. Os nossos antepassados eram comerciantes
natos que abasteciam as outras vilas e cidades de Sergipe e Bahia com
seus produtos. Não havia, como até nos dias atuais, uma só feira em
Sergipe que não tivesse um itabaianense. A histórica e cultural cidade
de Laranjeiras chamava atenção na segunda metade do século XIX pela
pujança econômica e cultural. A feira de Laranjeiras, pela proximidade
e importância, era para onde afluíam caravanas de itabaianenses. Estes
dominavam a feira de tal forma que eram hostilizados pelos habitantes
locais. Nessa época, a sociedade itabaianense era formada, sobretudo,
por humildes comerciantes, lavradores e criadores. Homens rudes
intelectualmente pela falta de instrução pública, porém espertos e
aventureiros. Laranjeiras era o berço da intelectualidade sergipana,
terra de João Ribeiro e de refinada elite açucocrata. Os gêneros
alimentícios de primeira necessidade consumidos em Laranjeiras eram
produzidos em Itabaiana. As férteis terras margeadas pelo Cotinguiba
eram destinadas à plantação de cana para exportação. Eram os sítios
serranos que abasteciam o comércio interno sergipano, daí o rótulo de
cidade celeiro de Sergipe.
A forma que os laranjeirenses usaram
para ferir o orgulho dos itabaianenses foi de denominá-los de
papa-cebolas. Por que papa-cebolas? Itabaiana tinha produção razoável
nas férteis encostas serranas da verdura acre de cheiro forte. Chamando
os itabaianense de papa-cebolas, estavam chamando-os de fedorentos a
cebola. E mais: de somíticos, pois mesmo conseguindo volumas somas com
a venda de gêneros alimentícios e outros objetos, os itabaianenses
substituíam a carne (mais cara) por uma farinha acebolada produzida por
suas esposas. O cheiro de cebola era perceptível de longe. Bastava um
itabaianense colocar sua marmita para se ouvir os moleques gritarem:
“papa-cebola, papa-cebola, papa-cebola!!!”.
Papa-cebola era um termo pejorativo. Inicialmente, a expressão não foi bem aceita. As chacotas, às vezes, acabava em revide de ofensas, brigas ou em episódios mais trágicos. Com o passar do tempo, o curioso apelido coletivo tornou-se tradicional e aceito pelos próprios itabaianenses. As novas gerações de papa-cebolas muitas vezes não entendiam a origem jocosa e o primitivo significado da alcunha; pensavam que era por serem trabalhadores e terem abundantes cebolais. Tinham alguns que se sentiam orgulhosos quando eram rotulados de papa-cebola.
José Sebrão de Carvalho, o famoso Sebrão Sobrinho (1898-1973), pesquisador itabaianense, o mais bairrista de todos os itabaianólogos, nos oferece outra versão para a origem da expressão. O velho pesquisador legou em suas pesquisas valiosas informações acerca do passado de sua terra natal, além de arrebanhar um volume documental impressionante sobre Itabaiana do século XVII ao XX. Sebrão descreveu, numa série de artigos para o Sergipe-jornal, diversos aspectos da vida social e cultural-histórica de Itabaiana dos anos 40. Ele acredita que o apelido nasceu em Itabaiana devido ao apelido imputado a Júlio Cesar Berenguer de Bitencourt, juiz municipal na época. Esse magistrado esteve em Itabaiana no ano de 1849 e fixou residência no sítio Pé da Serra, local de destacada produção de cebolas. Com isso, os amigos do juiz começaram a chamá-lo pelo apelido de papa-cebola. A expressão outrora pessoal tornou-se coletiva. A aceitação do apelido tempos depois, segundo Sebrão Sobrinho, dava-se pelo fato de pensarem os itabaianense que se tratava de um elogio a “superioridade de sua terra para a policultura”. Essa versão nos parece ter menos valor explicativo que a anterior, pensada por Carvalho Déda.
Acreditamos que de início não havia o termo ceboleiros, mas somente papa-cebolas. A utilização da expressão ceboleiros é bem provável que tenha sido iniciada na segunda metade do século passado, para servir de sinônimo do termo anterior que entrou em desuso ou, não é razoável supor, o fato de a expressão papa-cebola ser ofensiva contribuiu para sua substituição paulatina pelo seu termo mais corrente nos dias atuais, restando apenas a antiga expressão na memória dos mais idosos. Seja como for, as alcunhas coletivas papa-cebola e/ou ceboleiro eram tão pejorativas que muitos rapazes naturais de Itabaiana não conseguiam namorar com moças de famílias tradicionais de Aracaju e outras cidades de Sergipe, pois os pais davam sempre o conselho às filhas para não quererem itabaianenses, ou seja, os fedorentos a cebolas e tabaréus. Hoje, é até uma honra ter um genro ceboleiro, principalmente se for rico ou “cabra macho” trabalhador.
Nas últimas décadas, a palavra ceboleiro ganhou força dentro e fora de Itabaiana de modo inimaginável. A expressão ceboleiro foi tão integrada ao itabaianense que praticamente se tornou sinônimo de todos aqueles que nascem ou moram em Itabaiana. Se no passado seu uso era uma forma pejorativa, no presente a função é outra: tornou-se um elogio, uma forma de identificação dos itabaianenses, um patrimônio cultural. Contribuiu decisivamente para o fortalecimento da alcunha de terra da cebola a construção do Mercado de Hortifrutigranjeiros, nosso famoso Mercadão, em 1989. Nesse grande empório comercializam-se volumosas quantidades de cebolas produzidas em Itabaiana e, principalmente, provenientes de outros estados. Verdadeiras montanhas de cebolas são vistas todos os dias, dando um perfume especial à feira local.
O apelido adentrou de tal forma o imaginário social itabaianense que o mascote da Associação Olímpica de Itabaiana, principal clube de futebol da cidade e um dos mais tradicionais do Estado de Sergipe, é uma cebola vestida com o uniforme tricolorido de azul, vermelho e branco. Até mesmo o universo acadêmico sofreu a ação do acebolamento social. O Campus Universitário “Prof. Alberto Carvalho” (UFS) tem como mascote, escolhido em votação, uma cebola - o cebolufs.
Portanto, a palavra ceboleiro, usada no contexto de identificação do itabaianense, é um patrimônio cultural imaterial sergipano por ser uma expressão cultural que gera identidade e continuidade para a comunidade itabaianense e sergipana. Sergipe é um estado rico em apelidos coletivos. Nós, os ceboleiros, não somos caso único. Os lagartense receberam a pejorativa designação de papa-jaca, os simão-dienses de capa-bodes, os porto-folhenses de buraqueiros, os campo-britenses de lobisomens (ou labisomis) e etc. Era a rivalidade local que produzia esses apelidos coletivos que atualmente compõe uma rica e pouco estudada herança patrimonial. Todas essas expressões populares integram o patrimônio cultural sergipano e provam que a cultura sergipana também é rica fora do eixo litorâneo (Aracaju-Laranjeiras-São Cristóvão).
Papa-cebola era um termo pejorativo. Inicialmente, a expressão não foi bem aceita. As chacotas, às vezes, acabava em revide de ofensas, brigas ou em episódios mais trágicos. Com o passar do tempo, o curioso apelido coletivo tornou-se tradicional e aceito pelos próprios itabaianenses. As novas gerações de papa-cebolas muitas vezes não entendiam a origem jocosa e o primitivo significado da alcunha; pensavam que era por serem trabalhadores e terem abundantes cebolais. Tinham alguns que se sentiam orgulhosos quando eram rotulados de papa-cebola.
José Sebrão de Carvalho, o famoso Sebrão Sobrinho (1898-1973), pesquisador itabaianense, o mais bairrista de todos os itabaianólogos, nos oferece outra versão para a origem da expressão. O velho pesquisador legou em suas pesquisas valiosas informações acerca do passado de sua terra natal, além de arrebanhar um volume documental impressionante sobre Itabaiana do século XVII ao XX. Sebrão descreveu, numa série de artigos para o Sergipe-jornal, diversos aspectos da vida social e cultural-histórica de Itabaiana dos anos 40. Ele acredita que o apelido nasceu em Itabaiana devido ao apelido imputado a Júlio Cesar Berenguer de Bitencourt, juiz municipal na época. Esse magistrado esteve em Itabaiana no ano de 1849 e fixou residência no sítio Pé da Serra, local de destacada produção de cebolas. Com isso, os amigos do juiz começaram a chamá-lo pelo apelido de papa-cebola. A expressão outrora pessoal tornou-se coletiva. A aceitação do apelido tempos depois, segundo Sebrão Sobrinho, dava-se pelo fato de pensarem os itabaianense que se tratava de um elogio a “superioridade de sua terra para a policultura”. Essa versão nos parece ter menos valor explicativo que a anterior, pensada por Carvalho Déda.
Acreditamos que de início não havia o termo ceboleiros, mas somente papa-cebolas. A utilização da expressão ceboleiros é bem provável que tenha sido iniciada na segunda metade do século passado, para servir de sinônimo do termo anterior que entrou em desuso ou, não é razoável supor, o fato de a expressão papa-cebola ser ofensiva contribuiu para sua substituição paulatina pelo seu termo mais corrente nos dias atuais, restando apenas a antiga expressão na memória dos mais idosos. Seja como for, as alcunhas coletivas papa-cebola e/ou ceboleiro eram tão pejorativas que muitos rapazes naturais de Itabaiana não conseguiam namorar com moças de famílias tradicionais de Aracaju e outras cidades de Sergipe, pois os pais davam sempre o conselho às filhas para não quererem itabaianenses, ou seja, os fedorentos a cebolas e tabaréus. Hoje, é até uma honra ter um genro ceboleiro, principalmente se for rico ou “cabra macho” trabalhador.
Nas últimas décadas, a palavra ceboleiro ganhou força dentro e fora de Itabaiana de modo inimaginável. A expressão ceboleiro foi tão integrada ao itabaianense que praticamente se tornou sinônimo de todos aqueles que nascem ou moram em Itabaiana. Se no passado seu uso era uma forma pejorativa, no presente a função é outra: tornou-se um elogio, uma forma de identificação dos itabaianenses, um patrimônio cultural. Contribuiu decisivamente para o fortalecimento da alcunha de terra da cebola a construção do Mercado de Hortifrutigranjeiros, nosso famoso Mercadão, em 1989. Nesse grande empório comercializam-se volumosas quantidades de cebolas produzidas em Itabaiana e, principalmente, provenientes de outros estados. Verdadeiras montanhas de cebolas são vistas todos os dias, dando um perfume especial à feira local.
O apelido adentrou de tal forma o imaginário social itabaianense que o mascote da Associação Olímpica de Itabaiana, principal clube de futebol da cidade e um dos mais tradicionais do Estado de Sergipe, é uma cebola vestida com o uniforme tricolorido de azul, vermelho e branco. Até mesmo o universo acadêmico sofreu a ação do acebolamento social. O Campus Universitário “Prof. Alberto Carvalho” (UFS) tem como mascote, escolhido em votação, uma cebola - o cebolufs.
Portanto, a palavra ceboleiro, usada no contexto de identificação do itabaianense, é um patrimônio cultural imaterial sergipano por ser uma expressão cultural que gera identidade e continuidade para a comunidade itabaianense e sergipana. Sergipe é um estado rico em apelidos coletivos. Nós, os ceboleiros, não somos caso único. Os lagartense receberam a pejorativa designação de papa-jaca, os simão-dienses de capa-bodes, os porto-folhenses de buraqueiros, os campo-britenses de lobisomens (ou labisomis) e etc. Era a rivalidade local que produzia esses apelidos coletivos que atualmente compõe uma rica e pouco estudada herança patrimonial. Todas essas expressões populares integram o patrimônio cultural sergipano e provam que a cultura sergipana também é rica fora do eixo litorâneo (Aracaju-Laranjeiras-São Cristóvão).
BIBLIOGRAFIA
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CARVALHO, Vladimir Souza. Apelidos em Itabaiana. Curitiba: Juruá, 1996;
_________. Vila de Santo Antonio de Itabaiana. Aracaju: J. Andrade, 2009;
DÉDA, José de Carvalho. Brefáias e Burundangas do Folclore Sergipano. Aracaju, Livraria Regina, 1967. P. 83-84;
IPHAN. Patrimônio Imaterial. Disponível em: www.iphan.gov.br/bens/P.%20Imaterial/imaterial.htm acessado em dez/2005;
LIMA JÚNIOR, F. A. de Carvalho. Monografia histórica do município de Itabaiana. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Aracaju, v.2, n.4, 1914. p.128-149;
SEBRÃO SOBRINHO. Cordial política da plutocrata terra papa-cebola. Sergipe-Jornal, Aracaju/SE, 26 jan. 1944, p.1. Transcrito em SEBRÃO, SOBRINHO. Fragmentos de histórias municipais e outras histórias. Org. Vladimir Souza Carvalho. Aracaju: Instituto Luciano Barreto Júnior, 2003. P. 253-256.
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