Blog criado em 2010 pelo historiador Wanderlei Menezes para a divulgação de notícias e informações acerca da cultura de Itabaiana/SE.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
domingo, 24 de janeiro de 2010
Oliveira Teles e a Lenda de origem da Serra de Itabaiana
Itabayana
I
Ita, collis; aba,
vir,
humo; oane, nune.
Esta pequena patria
de montanhas
E’ um pequeno
berço effervescente
De vagueiantes
lendas. Cada gruta,
Cada alcantil
erguido sobre a serra,
Cada bocca de matta
anoitecida,
Cada retiro e cada
solidão,
E’ no estylo
natural e conciso,
Do pintor invisivel
bello quadro,
Excelsa tela de
magias raras,
*
* *
De perto, observei
suas grandezas.
De dia, em pleno sol
que a luz refrange,
E’ grato projectar
a luz dos olhos
Pela extensão dos
grandes descampados.
Quanta surpreza
então! A natureza
Toma a feição de
garrula cigana;
Não veste andrajos,
mas ostenta galas;
Não traduz o
futuro, antes o esconde,
E obriga o
pensamento a perseguil-o,
Sem rumo o norte,
fatigado a busca
Do recavado golfo
dos meus mimos.
*
* *
Do pôr-do-sol em
deante tudo esplende
No próprio véo das
sombras desdobrado
Manso gotteja o
rocio nocturno
Do enxovalhado manto
da amplidão.
Myriadas de
estrellas scintillando
Da via - láctea o
assento desmaiado
Accendem com fulgor,
que se compara
A um lagarto de fogo
faiscante.
Errantes virações
de quando em quando
Passam, perpassam.
Cada mouta escura,
Aos olhos de um
grego apaixonado
Abrigaria a dryade
travessa.
A saltar pelos ramos
consagrados.
A hora vem do mais
festivo baile
Dos sêres
encantados das florestas;
Pois anoitece: - a
hora dos mysterios
E das saudades
fundas, penetrantes.
Quem amores não
sente, quando a noite
Se inclina de lá da
immensidade!
Quantos hymnos de
amor ella me inspira!
Quanto puro ideal
commigo assiste!
Noite, noite de
amor, és doce enlevo,
Mensageira fiel da
solidão!
*
* *
Tu, Musa do Brasil,
não me abandones
Mergulha meu pincel
nas cores vivas
Do bello e do
sublime. O pensamento
Que educo, de gravar
em pobres versos
Õ nome desta patria
que idolatro,
Corra espontâneo,
livre, alevantado.
Monumento de luxo e
de opulência
Não me concede o
ingenho solitario.
Corram pareo com a
voz do entendimento
As effusões desta
alma generosa;
Que sergipano eu
sou: amo Sergipe.
Com ella gemo e
soffro a desventura
Que lhe pesa na
sorte aventureira.
*
* *
Farta de seiva, a
poesia errante
Pode aqui germinar
novos productos,
Capazes de cortar o
curso às causas,
Que passam no
silêncio extravagante.
De um viver de
esponja indifferente
Muito de adoro, ó
ninho perfumado!
Patria dos
coqueirais de palmas langues,
Das bromélias
gentis e das begonias,
Da baunilha, dos
cedros seculares,
Neste meu peito a
extravasar tristezas
O mais caro recanto
inteira accupas.
E’ o mais querido
albergue de minha alma;
Estância derradeira
onde a alegria
Costuma às vezes
sacudir as azas
De aurorais
effluvios iriadas;
Mas como o puro amor
ahi habita,
Ahi, ó pátria,
assignalei teu nome.
*
* *
Aurea estrella
gentil que se condensa
Em fogacho de bellas
esperanças;
Tu que me prendes a
um porvir fulgente;
Renovando nos teus
meus pobres dias;
Visão que me seduz,
porem tangível.
Minha estrela polar,
meu torrão de ouro
Minha riqueza, meu
cuidado e enlevo;
A terra onde nasci
que não me é dado
Dos rapaces salvar,
que a degradaram.
E’ o único legado
que te deixo.
Em Sergipe nasceste,
Garcilazo
Compromisso solemne
contrahindo,
Força e talento
empenharás por ella.
Como Hamnibal, aos
pés dos meus altares,
Nunca vingança, meu
amor e affecto
Por teu Sergipe
jurarás contente.
II
Na vasta região
embalsamada
Por candeiaes de
aromas exquisitos;
Que vae em parallelo
a toda a costa;
Onde vinga o cotão
de flores laureas,
E’ que fica o
planalto sorridente
De Itabaiana. Vem da
serra o nome.
*
* *
Que bella região!
Paiz de fadas!
De tudo quanto è
murmur no unixerso
_ Desde a voz da
insecto á voz das auroras_
Alli existe um
exemplar sublime.
E da orchesta que
ensaia o bando alado
Nenhuma nota voa que
não fira
No coração
delícias inffaveis.
Aos olhos surgem
maravilhas
Quaes cambiantes
vistas subtaneas,
Phosphorecentes. As
neblinas mansas
Os dias de verão e
as invernadas,
Tudo é grande
motivo sublimado
Pra emover a alma do
poeta.
Outras vezes da
serra sobre a grimpa
Bem perto, extranha
laz irradiando,
Aos insultos do sol
em pleno dia,
Ou do frouxo luar á
luz pallente,
Vem tremulando clara
projectar-se
Pelos telhados da
cidade antiga.
*
* *
A lenda popular, que
não discute,
Imaginou a historia
inverosimil
De um novilho lá
encantado na serra.
Por ventura reflecte
inconciente
Os labores ruraes
dos habitantes,
Que vivem a lavrar
as férteis terras,
Que circumda a
galharda serrania.
A rica musa popular
fecunda,
Que distribui
canções e forma lendas
Ãs mil dilatações
da alma do povo,
_Ou sejam tranzes de
agonia extrema,
Ou sejam rosas do
viver tranquillo,
Ou sejam madrigais
ou ironias_,
Em cada estrophe
reproduz artista.
Magico espelho,
reproduz a imagem
Do operario senil, -
o povo rude.
*
* *
Ditosa Itabayana! Em
teu regaço
Fulgem faúlhas da
passagem brusca
De Tobias Barretto
de Menezes!
Foi em ti que rugiu
o leão rude.
Rugiu... Cada um era
um poema,
Condensação de
rutilas estrellas,
Que o patrio genio
traduzia em verso.
Salve, terra gentil
dos candeaes!
Que outras victorias
não contando, excepto
Õ annel das lendas
que te cinge a sorte,
Basta a augusta
lembrança enaltecida
De alimentares em
teu seio agreste
Todos os rasgos do
gigante enorme,
Em tudo grande,
desgraçado em dita,
Do generoso, infeliz
Tobias.
*
* *
Vamos, meu estro.
Com a lyra em punho
Ferindo notas
expressivas, bellas,
Nesta lingua que
fallo, que menino
Bebi há haustos do
materno leite,
Celebrarei um drama
original.
Deriva das origens
afastadas;
E’ como ellas,
ideial, ethereo.
III
Era um índio... Nem
sei que nome tinha.
Não cogita do nome
a poetiza,
A trovadora errante,
que reside
Onde quer que a
razão indifferente
Desattende ao labor
do sentimento,
Era um indio, dizia,
um potentado,
Terror das selvas
todas, pois mandava
Sol e chuva naquelle
tempo.
*
* *
Outro indio, não
longe, dominava;
Também soberbo e
mau, mas alquebrado,
Já farto de viver,
no fim da edade;
Não velho a
caducar, porem já velho,
De longa experíencia
torturado.
Mais feliz que o
rival, tinha uma filha;
Mais infeliz do que
elle mais cuidados.
A indiana, na flor
da mocidade,
De sazonados seios
requeimados.
Fazia entontecer
cada guerreiro.
*
* *
O caboclo rival do
velho chefe
Era índio potente,
musculoso.
Fanfarronava luctas
e batalhas;
Na vil cabeça a
intenção ardia
De exterminar o
indio legendario.
Era Miaba
a
um tempo premio e causa
Para dar fogo ao
odio inveterado;
Pois a bella Miaba
era insensivel
Aos protestos do
indio apaixonado.
*
* *
Era uma vez em um
soito sombreado
Elle a vio e fitou
contemplativo.
Era tão bella! Tão
morena e linda!
Ella ria com o rir
das trepadeiras,
Com os olhos no céo,
em doce enlevo.
Formosa era a
deveza. Dir-se-hia
Pequena ilha
perfumada e fresca
Onde se erguia ao
ceo ativo e nobre,
Como vivo attestado
das edades,
Gigante vegetal,
cedendo ao enleio
De uma latada a lhe
enfeitar a fronde,
De maracujá,
roxeadas flores.
Pequena ilha
perfumada e fresca
Onde se erguia ao
céo altivo e nobre,
Como vivo attestado
das edades,
Gigante vegetal,
cedendo ao enleio
Deu uma latada a lhe
enfeitar a fronde,
De maracujá,
roxeadas flores.
Uma brisa macia leve
afflando
As moutas sacudia.
Doce chuva
De petalas agrestes
derramava
Sobre a moça
indiana, que scismava.
*
* *
Elle a vio e tremeu.
Era essa a hora
Em que a lua não
tem o clarão frouxo
Que, anoitecendo,
espalha pelo mundo.
Era prata tal qual.
Já na aurora
As barras da manhã
tingiam nuvens
De côr de rosa,
annunciando o dia.
A harmonia das aves
começava
E o brando ciciar
das auroras mansas.
*
* *
E de outra vez á
beira de um arroio
Em scismas se
embebia a americana.
Era ao cahir da
noite: hora de enlevo,
Mas tambem de
tristeza cruciante,
Que mais se gosa
quanto mais se chora.
E bem sabeis que
vagos, dulçurosos
Pensamentos de dor
no ermo assomam,
Quando a sós
taciturnos meditamos.
A queda duma folha
gera assombro.
Vae na queda da
folha uma esper’ança murcha.
O inquieto olhar
vagueia errante
Na funda solidão,
onde esgueirados
Passam figuras vãs,
sinistros vultos.
V
Figurae-vos, leitor,
num desses dias
De tardes orvalhadas
de saudades
A’ beira dum
regato, ao pé da serra.
Com o sol, que
expira, se evapora o riso;
Sobem com a noite as
illusões do medo;
Da selva inteira lá
negreja o seio.
Vereis tudo fugir a
pouco e pouco.
Amores, ideiaes,
risos, encantos,
Vereis do abysmo na
garganta escura
Sumir-se: que não
vale amor nem crença,
Quando o espectro do
medo o peito esfria.
*
* *
No palpitante
coração da virgem
E’ possível que a
dor também penetre?
A vida da donzella é
um preludio,
E’ raio festival
de sol nascente.
Sonhos, risos,
amores, _ eis a virgem.
Onde ha riso de
moça, ha mar de anhelos.
Mas ai flores!
Visões! Ai vãs chimeras!
E’ o dia o riso e
a dor é a noite:
Eis pois da vida a
dura alternativa.
Uma vida sem
lagrymas ardentes
E’ como uma
donzella sem amores.
*
* *
Por isso é bom
viver emquanto a morte,
Esta visinha má,
que anda em viagem
Pela existencia
afora de qualquer parte,
Não da nenhum
signal de que é chegada.
Amemos. O amor não
é só contacto
De carne contra
carne ou beijo impuro;
Porem norma do bem,
como ideal.
A morte, quando vem,
não manda avisos;
Não tarda no
caminho: é prompta e breve.
Mas no drama da vida
as scenas passam
Com rapidez fatal,
que assim resolve
Os difficeis
problemas da agonia.
V
Scismava a pobre
virgem sertaneja,
Immergindo no fundo
do ignoto
O vacillante
pensamento incerto.
Como enorme morcego,
pelos montes
Vae agitando a noite
azas de sombras,
Triunphantes da luz
que vae morrendo.
Aproveitando o
estridular dos grillos,
Typo de homem vem,
quebrando ramas,
E’ de um só pulo
se apresenta á virgem.
*
* *
Quiz a moça fugir,
era já tarde.
Só lhe restáva
resistir á fúria
Do cacique que ardia
pelo goso.
Não de outra sorte
a alimentaria bruta,
Abrazada no fogo da
lascivia,
Rosna, babando,
sexual deleite.
A’ femea accorre,
lambe-a; retrocede.
E avança de novo
tiritante,
Na feroz expansão
desenfreiada
Do instincto
genesico indomado
A forma o animal
quasi transmuda.
O pello vestical é
como selva
De espiheiral
desnudo da folhagem.
Continua a avançar
ardendo em cio
Que lhe referve no
esquentado sangue.
Mas é certa a
repulsa. O amor desanda
Longe da fera em
lucta pelo goso.
A natureza
indifferente, crua,
Relucta em não
unir, talvez cedendo
Do genio da especie
ás exigencias.
Era assim o cacique.
Em torvo offego
As ventas dilatando,
porecia,
Certo da posse da
mulher amada,
Com rancor desprezar
os céos e a terra.
Miaba era indomavel
no desprezo,
Fria de mais para um
guerreiro altivo.
Quando encarou
naquella solidão
Ao pé de si um
homem repellente,
Cheio da mesquinha
gana esqualida
Do impecto carnal
apaixonado,
Teve medo, tremeu;
tremeu convulsa;
Da propria fraqueza
armando a força
Para bem longe o
reppellio irada.
*
* *
Houve um instante
mudo, mas terrível.
Mas o selvagem não
reflecte muito.
Demais era senhor do
ermo e della,
Nessa hora feliz,
cevando raivas,
Prazer e odio
saciava á farta.
Oh! A negaça
accelerou-lhe o fogo.
Como treme o
assassino, se nas faces
Embotadas do crime,
castigadas
Pelas lívidas cores
do remorso,
Horrenda bofetada
accende a raiva
E mais um crime
arranca do recanto
Do petreo coração,
elle tremia.
Do incendio feroz,
agigantado
Na alma lhe bate a
labareda em cheio;
Bem como á face
lisa dum espelho
A luz do sol resvala
de repente.
*
* *
Enfim, muito mais
poude a ebriedade.
Foi-se o cacique em
tedios devorados,
Tedios do goso, que
succedem logo.
Chora Miaba a
ingratidão da sorte.
O riacho a rolar
sobre pedrinhas
Imitava os soluços
de Miaba.
Mas nem toda
desgraça vem isempta
De consolação. Nas
águas presto
Bello jurão
ergeu-se confortavel,
Na taba de seu pae
não mais foi vista.
*
* *
Então dizem que
déra á luz, ao cabo
De nove meses de
crueis tormentos,
Uma formosa
explendida menina,
Que trouxe a sorte
de viver nas fontes,
Nas águas claras,
nos ribeiros limpos.
Ainda hoje à volta
onde gênios
O rude palaffita
construiram,
E’ appellidada
Poço
da Mãe da Agua.
VI
Mas do cacique a
sorte desandando
Deu-lhe trágico fim
a soberbia;
Mas nem tão
deplorável, que mais tarde
Não cingisse-a a
singlla poesia
De clarões e luares
deslumbrantes:
Que as cousas
longinquas, afastadas
No tempo e no lugar,
sempre irradiam
Suave luz que
encanta e bruxolea.
O mytho é um luar
da antiguidade.
*
* *
Referem que Tupan na
terra andando
Ouviu narrar o
episodio triste
Da formosa Miaba.
Inconsolavel
Chorou Tupan de
pena. Um Deus chorando
Importa um turbilhão
de ruinarias
Na mole universal.
Os pólos tremem;
Estremecendo ruem as
montanhas;
Emquanto os mares
agitados fervem
Com furor acoutando
a immensidade.
Pois foi o que se
deu quando Tupan
Chorou com pena a
sorte de Miaba.
*
* *
E revestindo a forma
veneranda
De peregrino piaga,
lacerado
Das pedras do
caminho, foi á taba
Do orgulhoso
cacique. Emfurecido,
Arrogante, quebrando
a lei antiga,
A sancta lei de
hospitalidade,
Nunca farto de
guerra, avesso á paz,
O velho injuriou com
requintada,
Com alvar e feroz
descortesia.
Negou-lhe água da
fonte crystallina;
Negou-lhe caça
morta, havia pouco;
Negou-lhe amiga rêde
de repouso.
*
* *
Então do velho a
forma vae mudando
Pouco a pouco.
Rebentam novas cores
E traços novos.
Foge-lhe a figura
Com que appareceu: é
uma ave bella,
Um lindo papagaio,
que voeja
E vae pousar na
arvore mais alta,
Que em roda existia.
Então terrível
De lá pragueja
maldições tremendas:
_ Olha o justo
castigo que mereces,
Orgulhoso cacique,
que imprudente
A Tupan recusastes
os dons da vida;
_ Os raios de Tupan
te firam na alma,
Immovel ficarás
mudado em serra;
Para sempre serás
Itabayana
E quando as gerações
passarem junto
Ao logar onde foi a
tua choça,
Tranzidas de
tristeza lacerante,
Apontarão para a
alterosa serra,
Exclamando: Alli
esta Itabayana!...
VII
Pouco depois as
nuvens se inflammaram
E fulminante raio
atravessara
O cacique a tremer.
No mesmo instante
Solta um grito de
dor; mas já sem forças
Rodou três vezes,
baqueiou o chão.
Contorce-se nas
pedras moribundo;
De cada braço e
perna ergueu-se um monte,
E a cordilheira
surge de um só homem.
VIII
A ígnea língua lhe
escavou no peito
Lethal cratera, que
extravasa o sangue;
O qual, rumo do sul,
seguindo em curva
Trajectoria, como um
arco-irys,
Cahiu mui longe, de
outra serra ao pé
E a terra ensopou
; de onde mais tarde
Mananciais e fontes
se rasgaram.
*
* *
O sangue que
esguichara da ferida
Chamou-se
Cotinguiba.
Inda hoje corre...
S. Christovam, 1891.
M. P. Oliveira
Telles
Assinar:
Postagens (Atom)